quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Educação Empreendedora no Brasil


Desde 2012 venho compondo uma equipe de pesquisadores que ajudam a Endeavor a desenvolver estudos em educação para o empreendedorismo, com o objetivo de entender melhor como o Ensino Superior do país está tratando a formação das novas gerações de empreendedores. Um dos resultados deste estudo acaba de ser publicado na versão impressa da PEGN. Diante da repercussão da matéria, resolvi tomar meu espaço deste mês no site da revista para detalhar algumas das informações que aparecem superficialmente na reportagem de Fabiana Pires e Robson Vitorino.

Em primeiro lugar, já é fato inequívoco que as Universidades brasileiras acordaram para o movimento empreendedor, atendendo uma gradual porém persistente mudança cultural que vem ocorrendo nos últimos anos na qual os jovens percebem que a carreira empreendedora pode ser tão atrativa quanto a carreira em empresas (sejam privadas ou públicas), pois representa o sonho da independência e do crescimento sem limites, mas acima de tudo, a possibilidade de ser o protagonista em mudanças de alto impacto no mundo.

O crescimento de ofertas de disciplinas de empreendedorismo é o principal sinal desta mudança. Embora este crescimento esteja ainda muito concentrado nos cursos de Administração e Engenharias, é um avanço significativo. Trata-se do primeiro e talvez mais fácil passo para adequar o ensino superior às necessidades emergentes dos jovens sonhadores, mas ainda muito longe do que se pode – e se deve – fazer para efetivamente gerar novos empreendedores.

Como diz a Profa. Janet Strimaitis da Babson College, citada na reportagem, ‘Ensinar empreendedorismo é muito diferente de ensinar as disciplinas tradicionais’. Além de ser um tema recente na academia, com poucos conceitos e teorias efetivos, a atividade empreendedora é muito mais centrada no ‘fazer’ do que no ‘saber’, forçando o professor a buscar outros recursos para compensar suas aulas expositivas tradicionais. Estudos de caso, palestras com empreendedores, simulações de práticas empreendedoras e mentoria são algumas destas práticas, além de outras, mais inovadoras, como as desenvolvidas pela Kaos Pilot e a Team Akademy mencionados na reportagem, mas são poucos os professores brasileiros que as conhecem ou praticam. Algumas iniciativas chegaram ao Brasil, como a Clinton Center for Teaching and Learning, que procura trazer esta formação complementar aos professores de empreendedorismo.

Este descompasso entre a academia e a prática empreendedora é observado pelos alunos e se tornou uma das principais críticas dos jovens universitários, respaldando a imagem indelével do estudante que abandona os estudos para montar seu próprio negócio. Algumas universidades promovem iniciativas para trazer um pouco do mundo real do empreendedor para a formação do aluno. Em um estudo complementar a este, publicado pelo Sebrae-SP, verifiquei que algumas destas atividades são competições de negócios e eventos diversos, como palestras e seminários.

Estas iniciativas são comuns entre as melhores escolas de empreendedorismo americanas, conforme ranking da Entrepreneur.com. Embora possam servir como referência, elas ainda praticam modelos educacionais fortemente pautados em ensino de negócios, mas estão dando os primeiros passos para romper com os padrões acadêmicos para abordar a criatividade, a improvisação, o risco, o aprendizado pelo erro, as tentativas e experimentações, como competências empreendedoras a serem desenvolvidas no ambiente acadêmico. O Professor Ghobril, também mencionado na reportagem, procura trazer esta abordagem para o Mackenzie, ensinando a importância de ‘quebrar a cara’.

Na minha visão de educação empreendedora, parte manifestada no documento Brasil + Empreendedor, desenvolvido em co-criação por um grupo de entusiastas e especialistas em empreendedorismo e que está sendo entregue às principais lideranças do país, deve-se levar o ensino de empreendedorismo para além da sala de aula, promovendo a interação entre vários cursos e disciplinas, sobretudo com os núcleos de inovação das Universidades.

Estando claro o desafio dos gestores das instituições de ensino superior de dar prosseguimento a este processo de mudança, esperamos que, além de simplesmente oferecer uma disciplina de empreendedorismo, eles tenham a coragem de reinventar a tradicional visão de formação de profissionais para o mercado de trabalho que perdura no país desde a década de 70. A nova economia não está mais lastreada em grandes empresas, mas em pequenas, ágeis, dinâmicas, sem amarras e de alto potencial de crescimento.

Com meus programas de formação de professores de empreendedorismo, procuro fazer a minha parte, mas todos, professores, gestores, alunos, empreendedores, governo, tem a mesma responsabilidade de tornar a educação empreendedora a célula-base da composição do ecossistema empreendedor.

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Porque escrever um plano de negócio e quando começar

Capitulo degustação do livro Plano de Negócio em 40 Lições, de Marcos Hashimoto e Cândido Borges, Ed. Saraiva, 2014.

Aula 5. Porque escrever um PN e quando começar


Um plano de negócio serve a três funções. Em primeiro lugar, ele pode ser usado para desenvolver ideias a respeito de como o negócio deve ser conduzido. É uma oportunidade para refinar estratégias e ‘cometer erros no papel’ em lugar de na vida real, examinando a viabilidade da empresa sob todos os pontos de vista, tais como o mercadológico, o financeiro e o operacional. O plano de negócio, para este fim, tem como primeiro leitor o próprio empreendedor, que vai usar o plano como um documento onde ele consolidará todas as informações relevantes e pertinentes sobre o negócio que o vai direcionar para escolhas estratégias mais bem fundamentadas.
Em segundo lugar, um plano de negócio é uma ferramenta retrospectiva, em relação à qual um empresário pode avaliar o desempenho atual de uma empresa ao longo do tempo. Por exemplo, a parte financeira de um plano de negócio pode ser usada como base para um orçamento operacional e pode ser cuidadosamente monitorada, para se verificar o quanto a empresa está se mantendo dentro do orçamento. A este respeito, o plano pode e deve ser usado como base para um planejamento estratégico. Depois de decorrido algum tempo e, a partir de então, periodicamente, o plano de negócio deve ser examinado, para se ver onde a empresa se desviou do rumo, se esse desvio foi benéfico ou danoso e como ela deverá operar no futuro.
A terceira razão para se redigir um plano de negócio é para obter apoios. Um dos principais apoios que o empreendedor precisa e para o qual ele escrever o plano de negócio é levantar dinheiro. A maior parte dos financiadores ou investidores não colocarão dinheiro em uma empresa, sem antes ver um plano de negócio. Se um empreendedor apresentar uma ideia a um financiador, ou a um investidor em potencial em busca de recursos sem ter em mãos um plano de negócio, certamente lhe será pedido que prepare um e volte depois. Ou, ainda pior, poderá não ser levado a sério, nem mesmo convidado a voltar.
A necessidade de obter outros tipos de apoio também leva o empreendedor a escrever o plano de negócio, como por exemplo: Estabelecer parcerias estratégicas com outras empresas em setores complementares, obter um contrato de exclusividade de representação de uma marca no Brasil ou na região, conquistar o primeiro cliente, negociar condições mais favoráveis de crédito junto a fornecedores críticos, convencer um funcionário chave a abandonar o emprego para se dedicar a este novo negócio, e qualquer outra situação em que o empreendedor precisa demonstrar a viabilidade e credibilidade do negócio para alguém de fora do negócio.
O plano pode ser usado como uma ferramenta de negociação. O empreendedor deve ser claro a respeito do que deseja do investidor, mas vago a respeito do que está disposto a ceder. O plano deve ser sempre dinâmico, pois sofrerá constantes mudanças. Uma boa parte das informações que embasam o plano de negócio vêm de fora da empresa e, por este motivo, são mutáveis e sujeitas a alterações e reinterpretações a cada nova ocorrência, fazendo com que projeções e suposições sejam constantemente depuradas. Sua preparação nunca termina, atualizações constantes são sempre requeridas, novas ideias ou dados financeiros atualizados são necessários, sobretudo se se tratar de uma empresa já em operação.
Ao contrário do que muitos podem imaginar, um plano de negócio não serve apenas para constituir uma nova empresa. Lançar um novo negócio ou produto em uma empresa já existente também exige um plano de negócio. Da mesma forma, qualquer mudança no negócio, seja na forma da sua estratégia, no desenvolvimento de novos mercados, na re-estruturação operacional, no credenciamento de novos fornecedores ou mudanças na estrutura do modelo de negócio também pode exigir a elaboração de um estudo detalhado do impacto destas mudanças no negócio, na forma de um plano de negócio.
Quando escrever um plano de negócio
O senso comum diz que a partir do momento que o empreendedor tem a ideia de negócio que quer montar ele já deve começar a escrever o plano de negócio, certo? Errado. Se ele fizer isso vai perder seu tempo, porque no começo, quando a ideia ainda está sendo concebida, muita coisa muda. Um plano de negócio neste momento é um mero exercício de adivinhação. Como bem disse o professor Bob Caspe da Babson College, ‘escrever um Plano de Negócio nos primeiros meses de uma startup é o mesmo que um garoto de 12 anos planejar o seu casamento’.
Por outro lado, depois que o negócio já foi implantado e entrar em velocidade de cruzeiro aí já é tarde demais pensar em plano de negócio, pois a parte mais crítica já passou, a parte mais complicada, que exige um bom planejamento, já virou história e, neste momento, um plano de negócio não vai ajudar muito.
É importante deixar claro que estamos falando de ‘escrever’ um plano de negócio. A elaboração do plano, na verdade, já começa desde o momento em que o empreendedor tem seu primeiro vislumbre da oportunidade. A partir do momento que ele começa a pensar na sua ideia, já está organizando os pensamentos, desenvolvendo a ideia e construindo o seu conceito de negócio. Neste momento ele ainda não está ‘escrevendo’ o plano em si.
Isso posto, qual o melhor momento para escrever um plano de negócio? Se não pode ser cedo demais nem tarde demais, qual é o melhor momento? Pode ser estabelecido em termos de tempo? Depois de ‘x’ meses de existência? Pode ser estabelecido em termos de porte? Quando atingir ‘n’ funcionários? Pode ser definido em termos de ciclo de vida do produto? Quando o produto já estiver pronto para ser produzido e comercializado em escala? Existe uma resposta padrão para esta questão?
Bem, existem dois critérios que vão determinar o melhor momento para começar a escrever o plano de negócio, o primeiro é quando o risco do negócio atingir um tamanho que seja proporcionalmente alto para o empreendedor. O segundo é quando o empreendedor precisar convencer alguém a apoiar o negócio. Fora estas duas condições não há necessidade de escrever um plano de negócio.
Vamos imaginar que você vai começar o seu negócio e assume o pressuposto que não vai usar capital de terceiros, apenas suas próprias reservas pessoais. A não ser que tenha um volume razoável para investir, na maioria das vezes você precisará começar pequeno e estar disposto a crescer devagar, no ritmo do volume de investimentos que você pode fazer. Neste caso, não precisa convencer ninguém, a iniciativa depende só de você.
Se for montar uma loja de cosméticos, por exemplo, começa como revendedor da Natura. Se for abrir uma escola, começa dando aulas particulares. Se for entrar no ramo de comércio exterior, começa com uma representação comercial. E antes que você pergunte, a grande maioria dos negócios pode começar pequena, até uma siderúrgica pode começar com coleta de latinhas para reciclar. Nestes casos, você precisa de um plano de negócio? Não! Sabe por quê? Porque o risco e baixo. Se você perder, perde pouco. O esforço para coletar informações para escrever um plano de negócio de uma loja, uma escola, uma importadora ou uma siderúrgica é muito grande diante do alto grau de incerteza que existe nesta fase do negócio. Qualquer coisa que você escrever neste momento é puro exercício de adivinhação. Por isso, esqueça a ideia de que precisa ter um plano de negócio antes de começar um negócio.
Na medida em que o negócio vai se desenvolvendo e crescendo, o empreendedor vai adquirindo conhecimento sobre o produto, sobre o mercado, sobre as operações. Vai ampliando sua rede de contatos, vai se familiarizando sobre as particularidades da área (vulgos ‘macetes’) e consequentemente, reduzindo a incerteza inicial. Este aprendizado vai dar mais consistência para ele reunir as informações necessárias para seu plano de negócio, mas ainda não é o momento de escrever.
O momento chega quando ele atinge um ponto em que o risco passa a ser alto. Pode ser na hora de abrir a primeira loja, construir a escola, comprar o primeiro avião, importar a primeira máquina, etc. Se tudo der certo, em algum momento o empreendedor precisará tomar a decisão de dar um grande salto. Um pouco antes disto o empreendedor então escreve o seu plano de negócio. Não vamos esquecer uma das principais finalidades do plano de negócio que é reduzir riscos. Um dos fatores que fazem com que o risco seja perceptivelmente alto é o grau de incerteza. Quanto maior a incerteza, maiores as chances de algo não previsto acontecer. O outro fator é o impacto. Quanto maior o impacto (neste caso, financeiro), mais o empreendedor tem a perder e, portanto, maior o  risco.
O segundo critério para decidir escrever um plano de negócio é quando o empreendedor precisa convencer alguém sobre o seu negócio. Neste caso, o documento serve como um instrumento de comunicação para um futuro parceiro, cliente, sócio, investidor, funcionário-chave, fornecedor, governo, etc. Quando as informações são usadas apenas pelo empreendedor, não há necessidade de um plano escrito. Quando ele precisa trazer alguém de fora para o empreendimento então surge a necessidade de colocar a ideia no papel de forma estruturada e convincente, o plano de negócio.
Alguns especialistas consideram ainda um terceiro critério: Quando o negócio atinge um certo grau de complexidade e as informações começam a se perder em sua memória. Podemos concordar que neste caso o empreendedor precisa registrar suas informações em algum lugar, mas o fato de registrar isso não significa que ele tem um plano de negócio, pois o plano é escrito com um objetivo principal que é verificar a viabilidade e a atratividade de um negócio e não um diário com dados do negócio.
Por último, outros dizem que o plano de negócio é necessário sempre que o negócio exige algum grau de planejamento e que planejamento é necessário a partir de quando o empreendedor começa a agir para colocar o negócio de pé. Consideramos que o empreendedor não pode planejar demais nesta fase pelos motivos já expostos. Além do mais, planejar demais pode significar paralisia na ação. O empreendedor acaba adquirindo um medo de fracassar por puro excesso de informação. Para o verdadeiro empreendedor, pensar demais leva à estagnação. O empreendedor quer agir, sempre!
Sobre o preenchimento.
·         O plano de negócio é um documento híbrido – enquanto uma parte faz uma projeção pragmática do negócio, outra parte atua como uma ferramenta de vendas, mesclando conteúdo com apresentação. As informações devem ser precisas, mas deve transmitir uma sensação de otimismo e entusiasmo.
·         Ao preencher o plano, tenha sempre em mente o objetivo para o qual ele está sendo escrito. O nível de detalhes, a linguagem e a transparência do conteúdo vai variar dependendo de quem vai lê-lo. Um investidor, por exemplo, vai se interessar pelos dados financeiros, sobretudo sobre o retorno do investimento. Já um especialista vai prestar mais atenção nos detalhes técnicos do negócio.
·         O plano de negócio deve atuar apenas como o primeiro contato com o investidor. Se ele transmitir, de forma clara, legível e digerível, as metas e processos básicos da empresa, um investidor lhe dará atenção e pedirá mais detalhes, inclusive chamando o empreendedor para uma reunião. Preocupe-se, portanto, em apresentar informações reais e que possam facilmente ser comprovadas quando solicitado.
·         O tamanho ideal de um plano de negócio é de 20 a 25 páginas, dependendo do objetivo, porte e situação da empresa. Tenha em mente esta informação enquanto preenche, de forma a manter a objetividade do plano, colocando apenas as informações relevantes e deixando todo e qualquer material comprobatório, suplementar ou ilustrativo como anexo ao final do documento. É um grande desafio conseguir colocar toda a complexidade de um negócio em menos de 25 páginas, mas a capacidade de síntese é necessária para levar em consideração que investidores estão recebendo e lendo planos de negócios todos os dias. O ideal é que o empreendedor escreva uma primeira versão completa do plano, sem limite de páginas, simplesmente consolidando todas as informações que puder coletar e só depois, com tempo e concisão, selecionar as informações mais relevantes que farão parte da versão resumida de 20 páginas.
·         Existem várias estruturas diferentes que podem ser tomadas como base para distribuir e dividir as informações do plano. Não existe um modelo ideal, pois cada tipo de negócio exige uma estrutura diferente e isso não pode ser padronizado. Este livro trará um modelo padrão que deve considerar as particularidades de cada tipo de negócio diferente. O importante aqui é que, não importa qual estrutura se adote, o plano propicie uma leitura fluida e agradável, de forma que o leitor vá construindo a ideia do negócio na medida em que vai lendo o plano.
·         O tom deve ser empresarial. Se houver excesso de sentimentalismo, as pessoas não levarão o plano a sério. Elas reagirão bem a uma apresentação positiva e interessante e se desinteressarão por uma que seja vaga, prolongada, subjetiva ou que não tenha sido bem ponderada e organizada. Apesar disto, o plano não pode ser monótono e cinzento. Embora formal, a linguagem precisa ser atrativa e provocativa, carregando uma energia que transparece ao leitor todo o desejo do empreendedor.
·         Cuidado com erros de gramática e ortografia. Esses erros podem gerar uma imagem negativa sobre o empreendedor e, portanto, sobre todo o empreendimento. Faça com que alguém qualificado nesta área revise o plano, para eliminar esses pequenos aborrecimentos que podem ter um forte impacto sobre os leitores. O mesmo vale para erros de concordância, acentuação e digitação.
·         Não tenha pressa para elaborar o plano. Para garantir a qualidade, um bom plano deve cobrir informações abrangentes, bem resumidas e pertinentes. Na maioria das vezes, estas informações não se encontram facilmente consolidadas para compor o plano, devem ser procuradas, trabalhadas e manipuladas antes de ser colocadas no plano. Desta forma, é recomendável que se escreva o plano paulatinamente, na medida em que as informações são obtidas, e não de uma vez só.
·         É possível solicitar a ajuda de um consultor especialista em planos de negócios. O cuidado a se tomar aqui é não delegar ao terceiros toda a redação do plano, afinal o plano é do empreendedor e ele deve ser a pessoa mais interessada no negócio. Portanto é o empreendedor que deve assumir a responsabilidade de redigir o plano. Um plano escrito por terceiros nunca vai ser o plano do empreendedor. O consultor pode ajudar na revisão da linguagem, na sugestão de fontes de informação, na orientação sobre o preenchimento de aspectos técnicos do plano, como o plano financeiro e até redigir partes do plano, mas nunca o plano completo.
·         O empreendedor deve tomar a atividade de escrever seu plano de negócio como um processo de aprendizado sobre o seu negócio. Na medida em que ele vai preenchendo as informação do plano ele acaba sendo forçado a aprender mais sobre o setor de atuação, os aspectos operacionais, o mercado, entrando a fundo nos dados, interpretando, analisando e concluindo. Como se costuma dizer, o mais importante no plano de negócio não é o plano em sim, mas tudo o que envolve o seu processo de elaboração.
·         Muitas das perguntas que se deve fazer para preparar um plano de negócio precisam ter uma resposta, ou devem, ao menos, ser respondidas com ‘não pode ser respondido neste momento, mas deve ser monitorado’, pelo bem da sobrevivência da empresa. Às vezes uma pergunta-chave é negligenciada, contrata-se mão-de-obra, inauguram-se as instalações, iniciam-se as vendas e só depois, como taxímetro rodando, descobre-se que algumas autorizações ou licenças eram necessárias antes de se abrir a empresa, justamente o que a pergunta alertava. Por isso o plano serve também como um check-list, um guia que indica ao empreendedor quais são as informações importantes que ele ainda está devendo e, dependendo do caso, pode ser fundamental que as obtenha antes de decidir abrir o negócio.
·         Cuidado ao dar ênfase no preenchimento a argumentos exclusivamente de venda da ideia. Esta ênfase pode levá-lo a redigir um plano exagerado, destituído da objetividade necessária para testar a viabilidade realista da ideia ou de servir como ferramenta de planejamento e medição. Não vamos negar que um plano sempre vai servir como um instrumento de venda da ideia de negócio, no entanto, este objetivo não deve ser escancarado como se fosse um prospecto comercial de venda de apartamentos. O plano deve despertar o interesse sobre o negócio e não vender o negócio, trata-se apenas de uma das etapas do processo de negociação com um futuro investidor.

Para quem se escreve um PN
O empreendedor é, obrigatoriamente, o primeiro leitor de um plano de negócio. Você deve perguntar: Mas isso é óbvio, afinal não é ele quem escreve o plano de negócio? A verdade é que assim deveria ser, mas na prática não é bem o que acontece. Muitos empreendedores não possuem a competência para escrever um plano de negócio ou não se sentem seguros o suficiente, às vezes, também alegam não ter tempo. Então acabam delegando para suas equipes ou para um consultor contratado exclusivamente para este fim. Tomando como base que o plano de negócio é um instrumento que consolida as informações de um negócio de forma que permita uma compreensão integral do negócio, então, a primeira pessoa que deve ler é o próprio dono do negócio. Se ele não se convencer da ideia apresentada no plano de negócio, ninguém mais acreditará. Neste caso, o plano de negócio deve ser escrito de forma bastante transparente, sem rodeios, com algum grau de estruturação, sem limite de páginas. Este plano de negócio pode ter 100, 150 até 200 páginas, pois é um documento interno, que consolida absolutamente tudo que o empreendedor aprender sobre o negócio. Trata-se de um portfólio de dados sobre o negócio.
Uma vez convencido da viabilidade da ideia, o próximo passo do empreendedor é convencer outras pessoas. Para montar um novo negócio, o empreendedor pode precisar de outras entidades-alvo. A seguir alguns exemplos:
·      Mantenedores das incubadoras (Sebrae, universidades, prefeituras, governo, associações etc.): para outorgar financiamentos a estas;
·      Parceiros: para definição de estratégias e discussão de formas de interação entre as partes;
·      Profissionais especializados: para convencê-los a abandonar o atual emprego e aceitarem trabalhar para o empreendedor em um negócio nascente;
·      Banco: para outorgar financiamentos para equipamentos, capital de giro, imóveis, expansão da empresa etc;
·      Investidores: fundos de capital de risco, pessoas jurídicas, bancos de investimento, investidores anjos, BNDES, governo etc;
·      Fornecedores: para negociação na compra de mercadorias, matéria-prima e formas de pagamentos;
·      A empresa internamente: para comunicação da gerência com o conselho de administração e com os empregados (efetivos e em fase de contratação);
·      Os clientes: para venda do produto e/ou serviço e publicidade da empresa;

·      Sócios: para convencimento em participar do empreendimento e formalização da sociedade.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Dilemas do especialista



Neste mês minha esposa obteve o título de Doutora pela PUC-SP na área de psicologia da educação e somos agora um casal de doutores (obtive o meu em Administração de Empresas pela EAESP/FGV em 2010). Ultimamente tenho feito algumas reflexões sobre o significado de uma conquista como esta, após vários anos de estudo e dedicação a um projeto de pesquisa, e, depois de assistir a um episódio do Big Bang Theory, no qual o nerd Sheldon se queixa de ser incompreendido, resolvi compartilhar estas reflexões neste canal.
Os aspectos positivos são evidentes, sobretudo o respeito da comunidade acadêmica e um novo status de reconhecimento e credibilidade em praticamente tudo o que se produz: textos, artigos, palestras, aulas, entrevistas, depoimentos, etc. Faz muito bem para o ego saber que você é reconhecido como um dos especialistas em empreendedorismo no país. Claro que o reconhecimento é mais do que merecido, até porque lutei muito para construir esta imagem, que vai muito além do título de doutor. Mas o que quero falar aqui é o outro lado, menos conhecido e discutido, sobre as desvantagens de ser um ‘doutor em empreendedorismo’.
Em primeiro lugar, um aviso aos alunos. O fato de seu professor ser doutor não significa que ele é um grande professor. Talvez ele possa ser um grande pesquisador, mas as habilidades exigidas de um pesquisador é a de produzir conhecimento, enquanto um professor deve saber transmitir conhecimento e a verdade é que nem todo bom pesquisador tem bom domínio de sala de aula ou detém boas práticas de ensino e didática.
Em segundo lugar, um aviso aos jornalistas. Os doutores só são especialistas em uma coisa muito específica. Eu, por exemplo, sou especialista em empreendedorismo corporativo, mas sou requisitado para falar sobre qualquer coisa relacionada com empreendedorismo. O meu conhecimento sobre pequenas empresas, perfil empreendedor, franquias, gestão de negócios, inovação são muito superficiais. Meu conhecimento sobre estes temas é tão profundo quanto o dominado por qualquer outro professor de empreendedorismo e o título de doutor não me faz diferente deles.
Em terceiro lugar, um aviso aos leitores de revistas e jornais. O fato de uma notícia estar baseada em pesquisas acadêmicas, na maioria dos casos não significa absolutamente nada. Não se pode tomar nenhum estudo como definitivo e conclusivo. A grande maioria dos estudos está fundamentada em análises de dados que não podem ser generalizados. Assim, se um estudo diz que 53% das pessoas tem ou já tiveram um negócio próprio, pode significar também que alguém que já teve algum lucro vendendo algo pela internet no Mercado Livre, por exemplo, ou um programador free-lance, que presta serviço para varias empresas, ou ainda uma revendedora da Natura, podem ter sido considerados nesta estatística, pois depende muito do que cada um entende por negócio próprio. Todas as pesquisas sempre vão ter algum grau de viés de interpretação que pode não representar a realidade. Por isso, vejam os resultados de estudos científicos com muita parcimônia e ressalva.
Em quarto lugar, um aviso aos acadêmicos. O título e o reconhecimento acadêmico não devem subir à cabeça. Embora a leitura de uma revista Exame ou Época possa parecer mundano e superficial, não podemos e nem devemos nos limitar ao estrito mundo acadêmico, pois o mundo lá fora é real e é onde vamos buscar conhecer os fenômenos que geram o conhecimento científico. Pesquisadores que se colocam no pedestal do conhecimento e se tornam arrogantes e orgulhosos estão fadados a produzir conhecimento de pouca relevância prática, podendo até gerar pontos pelas publicações, mas dificilmente atenderá demandas da sociedade em geral.
Por último, uma reflexão final. A visão de mundo muda depois de um processo intenso de contato com a produção de conhecimento científico. Ao mesmo tempo em que se amplia pelas descobertas que surgem, também diminui porque poucas coisas do nosso dia-a-dia se mostram de fato relevantes. Nos vemos constantemente criticando o pensamento alheio em reuniões sociais porque no fundo queremos sempre perguntar ‘de onde você tirou esta conclusão?’, ‘Com base em quê você afirma isso?’, ‘Qual a fundamentação desta teoria?’ ou ‘Alguém já falou sobre isso?’. O nosso risco é acabarmos nos transformando naquelas pessoas chatas e sem noção, com capacidade mínima de interação social e que acabam se isolando do mundo, fechando-se em um mundo de teorias e observações empíricas.
Bazinga!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Tudo o que sei é que nada sei



Quando eu tinha 23 anos e celebrava a conclusão da minha primeira pós graduação em Análise de Sistemas no Mackenzie, ao mesmo tempo em que a empresa onde eu trabalhava me acenava com a perspectiva da terceira promoção de uma carreira com potencial bastante promissor na área de Tecnologia de Sistemas de Informação, eu acreditava cegamente que sabia de tudo sobre a vida. Bem, tudo não, mas pelo menos 80% de tudo o que eu deveria saber.

Hoje, perto de completar 50 anos de vida e sendo bastante otimista, me sinto até petulante em afirmar que devo ter adquirido uns 2% de tudo o que deveria saber na minha vida. Você pode não só achar estranho esta afirmação, mas até mesmo criar uma imagem negativa de mim, como alguém que parou no tempo e não fez mais nada na vida. Pelo contrário. Nestes 27 anos, desenhei, escrevi e implementei vários sistemas de informática,  escrevi e publiquei três livros, organizei competições de planos de negócios, competições internacionais de inovação corporativa e montei dois MBAs e dois Centros de Empreendedorismo. Ganhei prêmios de educação, de inovação, de planos de negócios, de fotografia e de sistemas de automação. Também treinei mais de 1.000 pessoas e influenciei as decisões de carreira de pelo menos 15 ex-alunos que se tornaram empreendedores por minha causa. Já tive carreiras bem sucedidas em duas multinacionais americanas, mudei da área de Informática para a área de Administração e tive dois negócios próprios.

Neste período eu fiz mais duas pós graduações, um mestrado e um doutorado. Me casei e tive 3 filhos, construí uma casa, morei no interior, aprendi mais duas línguas, morei nos Estados Unidos, conheci mais de 20 países, salvei a vida de um motociclista acidentado e me tornei faixa preta de caratê. Já escapei de três assaltos e enfrentei um assaltante frente a frente. Conheci todo o litoral brasileiro do Ceará ao Rio Grande do Sul. Construí sólidas amizades com missionários, gays, pescadores, lavradores e artistas. Já fui voluntário em brigadas de segurança, tive que vender bens pessoais para viver e já apanhei para proteger amigos. Fui seguidor do budismo tibetano e fiz muito camping selvagem. Já experimentei drogas e fugi de restaurante sem pagar a conta. Já vivi a experiência de quebrar um braço e já passei por duas cirurgias. Já me perdi na floresta, tive carro quebrado no meio do nada e li mais de 200 livros.

Enfim, já passei por muita coisa nesta vida. Então porque considero que sei tão pouco sobre a vida?
Acho que quanto mais eu conheço sobre o mundo, mais eu me dou conta do quanto este mundo é complexo, grande e rico. Por mais intensa que tenha sido minha vida, na verdade, devo humildemente admitir que eu nem sequer cheguei perto de arranhar a árvore do conhecimento humano e que há muita coisa ainda para viver e aprender.

Quando somos jovens e inexperientes acreditamos que o nosso conhecimento do mundo à nossa volta corresponde a toda a realidade que precisamos controlar e dominar. Nosso escopo é limitado, mas não sabemos disso e é por isso que, arrogantemente, julgamos estarmos preparados para tudo, para a vida. Na medida em que vamos caminhando pela estrada da vida é que percebemos o quanto ela é longa e cheia de ramificações e estas descobertas vão nos dando uma percepção mais clara do quanto a realidade é mais ampla do que imaginávamos antes. A humilde constatação de nossa pequenez é uma manifestação da sabedoria que fez o filósofo grego Sócrates proferir a frase que encabeça este texto. E adquirir sabedoria é que precisamos ter como alvo em nossas vidas. E o que é a sabedoria? Na minha visão é um conceito que só pode ser entendido quando entendemos sua estrutura completa, a qual explico nas rápidas palavras a seguir:

O primeiro nível é o do dado. Na década de 80, os computadores serviam basicamente para processar dados, a unidade mais básica da informação. Um número com 98302103 é um dado, assim como Al. Dos Gerânios, nr. 458. Um dado sozinho não significa absolutamente nada se não estiver contextualizado. Esta contextualização vem através do segundo nível que é a informação.

A informação é um dado com algum significado. Assim, 98302103 é o número de um telefone celular e Al dos Gerânios, nr. 458 é um endereço. Na década de 90, os computadores evoluíram para não apenas processar dados, mas gerar informações a partir deles. Com base na Tecnologia da Informação foi possível tomar decisões melhores e chegar a resultados com muito mais rapidez. Com o tempo, apenas manter e produzir a informação deixou de ser suficiente. Foi o advento da Gestão do Conhecimento, (o terceiro nível) na década de 2000 que a humanidade subiu mais um nível.

Conhecimento então, nada mais é que uma informação contextualizada em uma determinada situação. Desta forma, o número do celular é de uma aluna minha muito bonita e o endereço é de onde ela mora. O conhecimento é um nível sofisticado de informação porque apela para a conexão de informações diferentes para serem usadas para determinados propósitos. A capacidade cognitiva de cada pessoa ajuda a tirar maior ou menor proveito deste conhecimento, pois a mesma informação pode ter significados diferentes para cada pessoa. É neste momento que a variedade de vivências que passamos pela vida faz toda a diferença, porque quanto mais experiências, mais interpretações diferentes podemos ter sobre a informação e, consequentemente, gerar muito mais conhecimento relevante.

O último nível é justamente o da sabedoria e envolve o uso que damos ao conhecimento que detemos. É a sabedoria que me diz para não convidar a minha aluna para sair. Não existe ainda tecnologia para trabalhar a sabedoria. Esta é ainda uma qualidade essencialmente humana. Pessoas sábias sabem usar da melhor forma o conhecimento que detém e não só tomam melhores decisões, mas compreendem com mais consciência a realidade em que vivem. As pessoas não devem almejar conhecer tudo, mas buscar este entendimento pleno da realidade, a sabedoria.

Assim, tudo o que sabemos, sentimos, pensamos, concluímos e percebemos não passa de um ponto de vista, originado única e exclusivamente pela nossa capacidade de interpretar e contextualizar cada informação ao contexto de nossas vivências e conhecimentos pré-adquiridos. Esta mesma realidade que percebemos de uma determinada forma, pode e certamente será percebida de forma muito diferente por outras pessoas que viveram experiências diferentes de nós e adquiriram conhecimentos distintos.

É com a busca constante da sabedoria que compreenderemos as diferentes realidades possíveis e que nos ajudará a ponderar nossas ações e decisões em direção a um caminho pautado pelo equilíbrio e bom senso. Ao refinar nossa percepção da realidade sob estes novos paradigmas aprenderemos a conviver melhor com as pessoas, ter um melhor entendimento do sentido da vida e ter uma vida mais feliz e plena.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Entenda a ciência


Minha esposa está na fase final do seu doutorado em Psicologia da Educação na PUC São Paulo. Na medida em que a data da defesa de sua tese se aproxima é natural alguma apreensão e ansiedade. Não é de se admirar, afinal, a defesa pública de uma tese é a etapa final de um período de 4 anos de estudos ininterruptos sobre um determinado tema que resulta em uma contribuição científica para o meio acadêmico, é um momento que coroa todo este esforço sob a anuência de uma banca examinadora formada por acadêmicos experientes e reconhecidos neste mesmo campo de estudo. Por fim, representa um rito de passagem de aceite de novos membros para a comunidade científica, no qual o título de ‘Doutor’ confere um novo status na carreira acadêmica do professor.

Os não iniciados no meio acadêmico reagem de formas diversas aos relatos das agruras que minha esposa vem passando (e que eu mesmo passei quando fiz meu doutorado). Embora todos respeitem, admirem e torçam verdadeiramente pelo sucesso, muitos não conseguem entender porque vale tanto a pena esta titulação diante das perspectivas limitadas de remuneração da carreira acadêmica no Brasil e é para estes que escrevo este texto, com o objetivo de mostrar um pouco deste universo.

A ciência, ao contrário do que muitos imaginam, não está limitada ao campo da Biologia, Química, Física ou Tecnologia. O conhecimento científico é um conhecimento produzido por meio de métodos específicos e por isso mesmo seus resultados, uma vez publicados em revistas reconhecidas no meio de estudo, são aceitos como contribuições no desenvolvimento de determinadas áreas. Este processo acontece em Psicologia, Administração, Medicina, Engenharia e vários outros campos do conhecimento. Muito do que as empresas adotam como técnicas e ferramentas para melhorar sua gestão vêm de estudos científicos. Novos tratamentos para doenças ou técnicas de construção de edifícios também vêm de estudos científicos.

Todos os professores estão no meio acadêmico, mas somente os titulados como mestres ou doutores estão aptos a construir novos conhecimentos científicos. Embora o título seja o caminho para ingressar neste reduzido e seleto grupo de cientistas, só é de fato considerado pesquisador quem vai além da defesa de sua tese (doutorado) ou dissertação (mestrado) e segue na condução de estudos científicos para aprofundar a produção de conhecimento em seu campo de pesquisa. E aqui faço um rápido esclarecimento sobre a diferença entre um mestrado e doutorado. O mestre demonstra apenas que domina o método científico e sua dissertação deve demonstrar este domínio enquanto o doutor deve efetivamente produzir um conhecimento novo, inédito e relevante, usando estes métodos para contribuir com a geração de conhecimento científico.

Por este motivo, todos os professores estão engajados em projetos de pesquisa em suas universidades, e os resultados de seus estudos são publicados em revistas científicas. Para o não iniciado, é difícil ler e compreender os artigos publicados nestas revistas (na área de administração, alguns bons exemplos são a Revista de Administração de Empresas da FGV (RAE), Revista de Administração Contemporânea (RAC), Revista de Administração da USP (RAUSP), etc). Isso acontece porque a publicação de um texto científico deve seguir regras bem específicas, nas quais o resultado do estudo só é validado se for demonstrado que foi muito bem embasado em métodos apropriados e referências teóricas relevantes.

Isso significa, na prática, que estas revistas são orientadas para outros pesquisadores científicos e não para o público em geral. Um postulado importante no meio científico é que a construção do conhecimento deve estar apoiada em conhecimento já existente, ninguém cria conhecimento do nada, sempre precisa se referenciar ao que outros pesquisadores já construíram. Este é o motivo dos artigos acadêmicos sempre mencionarem artigos publicados de outros pesquisadores. Costumo fazer a analogia entre o conhecimento científico e a construção de um muro. Você não pode colocar um tijolo em qualquer lugar do muro, apenas sobre um tijolo já existente. O muro pode ser forte ou fraco dependendo do quão forte é o tijolo sobre o qual você colocou ou seu, ou seja, suas referências. O cimento é a metodologia aplicada, é o que dá credibilidade ao seu estudo.

Para o pesquisador, tão importante quanto publicar sua pesquisa é ter seu artigo citado por outros pesquisadores, pois isto significa que outros tijolos estão sendo colocados sobre o seu e sua contribuição é de fato relevante e aceita na comunidade. As revistas também tem este mesmo interesse e por isso são muito criteriosas ao escolher um artigo para publicar. O corpo editorial de uma revista é formado por pesquisadores renomados em seus campos de estudo. Para o pesquisador, é mais importante publicar os resultados de suas pesquisas em uma revista científica do que na forma de um livro, por exemplo. Embora o livro tenha um acesso mais amplo do que um artigo, este público é muito genérico, não despertando muito interesse do pesquisador além de massagear seu ego.

Como uma pesquisa é baseada no trabalho de outros pesquisadores, o trabalho cooperativo é muito comum no meio científico. Dificilmente encontramos artigos escritos por apenas um pesquisador. Geralmente os trabalhos são publicados por equipes de estudo. Um pesquisador pode estar liderando ou participando de vários projetos de pesquisa. Um projeto de pesquisa pode durar alguns poucos meses ou até vários anos, dependendo da profundidade da pesquisa. Esta profundidade é caracterizada pelo tempo gasto na coleta de dados de campo.

Dados de campo são observações que se faz no objeto da pesquisa para verificar fenômenos e procurar comprovar suas hipóteses e teses. São feitos por meio de questionários, entrevistas, observações, análise de documentos e até mesmo viver por um tempo dentro do meio sendo estudado. Da mesma forma que um biólogo observa o comportamento de macacos na Tasmânia, um psicólogo pode observar o comportamento de crianças ou um administrador pode estudar o desempenho de uma empresa.

E aqui vem a diferença entre a teoria e a prática. Um administrador conhece a prática, sabe o que dá certo e o que não dá certo na empresa, mas o que ele sabe muitas vezes só serve para aquelas circunstâncias específicas e não podem ser generalizadas para outras situações. Já um pesquisador científico em administração procura gerar um conhecimento que possa ser aplicado por muitas empresas, por isso ele estuda muitas empresas ou com profundidade uma ou poucas empresas, toma como base estudos de outros pesquisadores e tira suas próprias conclusões, concebendo, muitas vezes,  uma teoria nova. Quando se fala que, na prática, a teoria é outra, está-se afirmando que nem toda teoria pode ser generalizada para todas as empresas.

Este poder de gerar este tipo de conhecimento, relevante e aplicado, ajudando a compreender o mundo à nossa volta e trazendo soluções que ajudem a lidar com esta crescente complexidade é que constitui a verdadeira motivação do pesquisador científico, seu senso de propósito e sua satisfação pessoal. É para este mundo que minha esposa está se preparando para entrar dentro de alguns meses e é para ela que dedico este texto, juntamente com meus votos de boa sorte e sucesso!


domingo, 1 de julho de 2012

Carta a uma jovem adolescente

Eu escrevo estas palavras hoje para dar algumas dicas sobre carreira. Antes que você leia estas palavras com a expectativa de encontrar aqui o caminho para resolver suas dúvidas, devo alertá-la de que é possível que ao final você fique com mais dúvidas do que antes. Antes que você desista de ler o resto desta carta, devo alertá-la que a dúvida é saudável, é esperada e é útil. Na sua idade, a pior coisa que pode acontecer é chegar com certezas absolutas sobre sua carreira. A certeza impede a visão de outros caminhos, outras possibilidades. A falta de experiência e conhecimento mantém o jovem em uma realidade bastante limitada e, por consequência, restrita ao seu universo de vivências mais próximas de si. Ter certeza sobre a carreira neste momento de sua vida pode significar um grande equívoco, porque você pode estar apta para carreiras que você nem sequer cogitou pensar.


A segunda colocação que quero fazer é que, embora sua angústia por fazer uma boa escolha esteja-a impelindo a tomar uma decisão definitiva, o melhor é não aceitar nenhuma decisão como definitiva. Mudar o rumo de uma carreira no meio do caminho, embora indesejado, é uma possibilidade e é mais comum do que imaginamos. Eu mesmo mudei minha carreira depois de 20 anos e muito do que aprendi antes não só foi aproveitado na nova carreira, como se tornou meu diferencial perante os colegas de profissão. O que queremos é fazer uma boa escolha, mas esta escolha fica mais fácil e a responsabilidade pesa menos se soubermos que esta escolha pode ser alterada no futuro.


Outra coisa que tenho observado junto a jovens nesta fase é a busca por alguma carreira que seja promissora. E entenda ‘promissora’ como ‘rentável’. Como vivemos em uma sociedade capitalista, é natural que o ganho financeiro seja um valor com peso considerável em todas as nossas escolhas. Mas isso nada mais é do que um paradigma que precisamos quebrar. A melhor opção de carreira é aquela que nos dará a oportunidade e fazermos o que amamos. Se pudermos fazer o que amamos, certamente faremos bem, com grande excelência. Se o que se faz bem for reconhecido também, o ganho financeiro virá. Portanto, dinheiro é consequência de fazer algo com paixão e sua escolha tem que privilegiar a paixão em primeiro lugar e o ganho financeiro vem depois na lista de prioridades.


Existe uma diferença entre profissão e emprego. Você pode ter vários empregos, mas só a profissão te dá uma carreira. Na maioria das carreiras, chegar ao topo é equivalente a ser bem remunerado. Algumas carreiras remuneram pouco no começo, mas bem no topo, em outras, acontece o contrário, por isso é importante olhar para a tendência da carreira ao invés de apenas observar a facilidade de entrar no mercado. De qualquer forma, a remuneração só pode ser analisada junto com outros fatores, como bem estar, satisfação e realização pessoal, estilo de vida, exigências, etc. É o conjunto que precisa ser estudado e não só um ou outro aspecto isolado.


Então, como saber do que gostamos? Certamente você sabe o que gosta e também sabe o que não gosta. Mas também deve imaginar que tem um monte de coisas que você nunca experimentou ou conheceu e não sabe ainda se gosta ou não gosta. A melhor forma de descobrir isso é experimentando o máximo de coisas possíveis. Quanto mais diferentes, melhor. Isso significa tentar conhecer pessoas diferentes, ir a lugares diferentes, provar comidas diferentes, ler revistas diferentes, conhecer profissões diferentes. Este exercício ajuda a ampliar a visão do mundo e se contextualizar melhor para as coisas que de fato gostamos e o que não gostamos. Fazendo uma simples analogia, toda criança quer ser atriz, modelo, cantora ou astronauta, policial e jogador de futebol, não é? O adolescente tem uma visão de mundo maior que a criança e tem mais opções, mas ainda é limitado.


Outro ponto de discussão está relacionado com a aptidão. É natural buscarmos identificar em nossas aptidões alguns indicadores para possíveis carreiras. Algumas pessoas têm aptidão natural para música, outras, para manusear coisas pequenas (habilidades motoras finas), enquanto outras ainda, para relações pessoais. Você sabe quais são suas aptidões quando você experimenta fazer coisas diferentes: ajudar a mãe a organizar uma festa, fazer uma pesquisa na internet para um trabalho da escola, ajudar o pai a fazer os cálculos das finanças da casa, cuidar da irmã mais nova, dar conselhos para um amigo, entre outras coisas. Você vai descobrir que aptidão não é que você gosta, necessariamente, mas o que você faz bem, naturalmente.


Por fim, propósito. Muitas pessoas acreditam que desde que nascemos já estamos designados para um destino pré-estabelecido, ou seja, já estamos predestinados. As pessoas, assim, nascem com um propósito, uma missão, um desígnio. Os que acreditam nesta filosofia gostariam de ter nascido com alguma carta que dissesse já qual seria sua missão. Infelizmente isso não acontece e as pessoas precisam descobrir seu propósito. Algumas pessoas descobrem seu propósito na sua própria atividade profissional, o que é uma grande sorte ou excelente percepção interna. Não entenda aqui que propósito de vida sejam apenas causas sociais, em geral é, mas é muito mais do que isto. Já conheci professores que escrevem livros para democratizar o conhecimento, aventureiros que exploram os oceanos para desvendar mistérios para a humanidade, químicos que dedicam sua vida para descobrir curas, engenheiros que têm clara sua missão de construir pontes para ligar pessoas, e assim por diante.


Muitos passam sua vida inteira e morrem sem saber se cumpriram sua missão. Existe uma grande chance de você estar na idade de escolher a carreira sem saber qual é o seu propósito de vida. Em algum momento da sua vida, espero que você descubra o seu, mas acredito que esta descoberta não virá antes de escolher sua carreira. E qual é o problema de descobrir depois, não é?


Assim, minha filha, quero finalizar esta carta dizendo que não existe uma carreira perfeita, mas existe aquela que melhor se aproxima a este trinômio PROPÓSITO X APTIDÃO X SATISFAÇÃO, ou seja, algo que você gosta de fazer, faz bem e você está destinada a fazer. Esta é a fórmula da carreira de sucesso, na minha opinião, e a sua busca deve considerar todas as possibilidades que existem e não apenas aquelas que todo mundo busca ou recomenda. Tenha personalidade, tenha fé e seja feliz!


quarta-feira, 6 de junho de 2012

O paradoxo do excesso de informação

O sujeito acorda, toma o café da manhã e lê o seu jornal. Pega o carro para ir ao trabalho e no caminho vai ouvindo as notícias na Band News ou CBN. Chega no trabalho e ao longo do dia vai checando as novidades em algum portal de notícias: UOL, Terra, Ig, etc. Quando volta para casa, assiste o Jornal Nacional e, se ainda der tempo, o Jornal da Globo mais tarde.

Se você se identificou com esta rotina, você é um dentre milhares de brasileiros que se mantém informados da mesma maneira. O fato de seguirmos todos uma rotina parecida de acesso às informações demonstra que estamos todos pensando de forma semelhante. Quando usamos as mesmas fontes somos influenciados da mesma maneira e perdemos aos poucos a capacidade de pensar diferente. Nosso modelo mental tem as mesmas referências que todas as demais pessoas e isso vai tornando nosso pensamento cada vez mais homogeneizado. Isso é péssimo para a criatividade. Criatividade é pensar diferente dos demais, é olhar para onde todos olham e enxergar o que os outros não enxergam.

Este fenômeno não é difícil de explicar. A informação, até pouco tempo atrás um recurso escasso, se tornou mais uma commodity nos dias de hoje graças à tecnologia da informação. Se você reparar bem, é difícil um canal de noticias divulgar sozinho um grande furo de reportagem. A internet ampliou drasticamente a capacidade de disseminação irrestrita da informação e muitos de nós nem sequer aprendemos a lidar com este fato. Nada mais natural que nossa geração, que sofreu com a carência de informações no passado, se sinta ansiosa hoje pelas notícias, beba de tudo e de todas as fontes, assina um monte de newsletters, RSS feeds, blogs e segue pelo twitter várias fontes de informação. Logo nos damos conta que não temos como digerir tudo e invejamos os jovens que hoje sabem tudo o que está acontecendo por meio de mensagens de 128 caracteres, só as manchetes.

A questão se torna ainda mais grave quando nos damos conta que muitas mídias, para conseguirem se diferenciar das demais, estão começando a trazer especialistas para comentar os fatos que noticiam. Assim, médicos, economistas, engenheiros, biólogos, etc começam a fazer parte da mídia. Eu mesmo dou muita entrevista para estes veículos de comunicação. Nossa opinião é respeitada e dá credibilidade à notícia. O corolário desta abordagem é que agora, além da informação já vir pronta, a opinião também já vem mastigada. Estamos perdendo até mesmo a capacidade de olhar de forma crítica as notícias que acessamos. Já não questionamos mais a informação que recebemos. Assumimos tudo como verdade, posto que ninguém ousaria contrariar os especialistas que trazem suas visões acerca destes assuntos que eles conhecem melhor do que você.

A diversidade de opiniões está morrendo. A multiplicidade dos pontos de vista está se acabando. As diversas perspectivas sobre a mesma realidade está se reduzindo. Quer fazer uma experiência para constatar o que estou dizendo? Da próxima vez que o seu time de futebol jogar, assista o jogo pela televisão, mas desligue o som. Veja apenas as imagens. Ao final do jogo, procure seus amigos para comentar sobre o jogo. Sabe o que você vai perceber? Que a sua visão é diferente da visão dos colegas. Você viu coisas que eles não viram, você percebeu coisas que eles não perceberam. Por quê isso acontece? Simplesmente porque eles incorporaram para si a opinião dos comentaristas que sempre acompanham os jogos junto com a transmissão. É mais fácil adotar como sendo deles a opinião que na verdade é dos especialistas, mas como você desligou o som, não os ouviu e, portanto, não se contaminou com estas opiniões e manifestou sua própria percepção do jogo, isenta de influências.

Por maior que seja o compromisso ético com a verdade adotado pelos principais veículos de comunicação do país, eles serão sempre tendenciosos e terão sempre um viés na interpretação dos fatos. Na democracia plena, que exerce o pleno direito de manifestação das opiniões, pessoas e entidades sempre trarão a sua própria visão, distorcendo, em maior ou menor grau, a forma como você incorpora e assimila a informação. Isso é feito de forma bastante sutil, pois o fato continua sendo o mesmo, mas nos detalhes podemos ver como uma escolha de uma palavra, um adjetivo no lugar de outro, uma simples mudança no tempo verbal, já causa um impacto considerável na forma como interpretamos a notícia.

Para não perder o seu senso crítico, e ao mesmo tempo, ter uma visão mais clara do que é a verdadeira realidade, sugiro que busque fontes distintas de informações, sempre que puder. Na confrontação de vieses diferentes de interpretação dos fatos você tende a compreender melhor o que de fato aconteceu, sem distorções indesejadas. Assim, comece a ler o Jornal da Tarde ao invés do Estadão, assista o Jornal da Record no lugar do Jornal Nacional. A internet é perfeita para isso, por exemplo, ao invés de se informar sobre o caso do programa nuclear iraniano pelos jornais ou portais de notícias que você sempre acessa, experimente ler o site da rede Al Jazeera, um dos jornais mais lidos pela comunidade árabe. Você verá outros pontos de vista sobre o mesmo fato, outras perspectivas, outros argumentos, outras opiniões, inclusive contraditórias aos veiculados pelos canais que você usa sempre.

Há um bom tempo atrás, a agência de publicidade do Grupo Folha ganhou um importante prêmio com uma campanha cuja frase final era: 'É possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade' (confira aqui), e é esse justamente o cuidado que temos que ter ao acessar a informação nas diversas mídias que temos acesso agora. Nossa preocupação não deve mais ser apenas a quantidade, mas a qualidade da informação, sobretudo a qualidade do que pensamos e não do que lemos.