sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Tudo o que sei é que nada sei



Quando eu tinha 23 anos e celebrava a conclusão da minha primeira pós graduação em Análise de Sistemas no Mackenzie, ao mesmo tempo em que a empresa onde eu trabalhava me acenava com a perspectiva da terceira promoção de uma carreira com potencial bastante promissor na área de Tecnologia de Sistemas de Informação, eu acreditava cegamente que sabia de tudo sobre a vida. Bem, tudo não, mas pelo menos 80% de tudo o que eu deveria saber.

Hoje, perto de completar 50 anos de vida e sendo bastante otimista, me sinto até petulante em afirmar que devo ter adquirido uns 2% de tudo o que deveria saber na minha vida. Você pode não só achar estranho esta afirmação, mas até mesmo criar uma imagem negativa de mim, como alguém que parou no tempo e não fez mais nada na vida. Pelo contrário. Nestes 27 anos, desenhei, escrevi e implementei vários sistemas de informática,  escrevi e publiquei três livros, organizei competições de planos de negócios, competições internacionais de inovação corporativa e montei dois MBAs e dois Centros de Empreendedorismo. Ganhei prêmios de educação, de inovação, de planos de negócios, de fotografia e de sistemas de automação. Também treinei mais de 1.000 pessoas e influenciei as decisões de carreira de pelo menos 15 ex-alunos que se tornaram empreendedores por minha causa. Já tive carreiras bem sucedidas em duas multinacionais americanas, mudei da área de Informática para a área de Administração e tive dois negócios próprios.

Neste período eu fiz mais duas pós graduações, um mestrado e um doutorado. Me casei e tive 3 filhos, construí uma casa, morei no interior, aprendi mais duas línguas, morei nos Estados Unidos, conheci mais de 20 países, salvei a vida de um motociclista acidentado e me tornei faixa preta de caratê. Já escapei de três assaltos e enfrentei um assaltante frente a frente. Conheci todo o litoral brasileiro do Ceará ao Rio Grande do Sul. Construí sólidas amizades com missionários, gays, pescadores, lavradores e artistas. Já fui voluntário em brigadas de segurança, tive que vender bens pessoais para viver e já apanhei para proteger amigos. Fui seguidor do budismo tibetano e fiz muito camping selvagem. Já experimentei drogas e fugi de restaurante sem pagar a conta. Já vivi a experiência de quebrar um braço e já passei por duas cirurgias. Já me perdi na floresta, tive carro quebrado no meio do nada e li mais de 200 livros.

Enfim, já passei por muita coisa nesta vida. Então porque considero que sei tão pouco sobre a vida?
Acho que quanto mais eu conheço sobre o mundo, mais eu me dou conta do quanto este mundo é complexo, grande e rico. Por mais intensa que tenha sido minha vida, na verdade, devo humildemente admitir que eu nem sequer cheguei perto de arranhar a árvore do conhecimento humano e que há muita coisa ainda para viver e aprender.

Quando somos jovens e inexperientes acreditamos que o nosso conhecimento do mundo à nossa volta corresponde a toda a realidade que precisamos controlar e dominar. Nosso escopo é limitado, mas não sabemos disso e é por isso que, arrogantemente, julgamos estarmos preparados para tudo, para a vida. Na medida em que vamos caminhando pela estrada da vida é que percebemos o quanto ela é longa e cheia de ramificações e estas descobertas vão nos dando uma percepção mais clara do quanto a realidade é mais ampla do que imaginávamos antes. A humilde constatação de nossa pequenez é uma manifestação da sabedoria que fez o filósofo grego Sócrates proferir a frase que encabeça este texto. E adquirir sabedoria é que precisamos ter como alvo em nossas vidas. E o que é a sabedoria? Na minha visão é um conceito que só pode ser entendido quando entendemos sua estrutura completa, a qual explico nas rápidas palavras a seguir:

O primeiro nível é o do dado. Na década de 80, os computadores serviam basicamente para processar dados, a unidade mais básica da informação. Um número com 98302103 é um dado, assim como Al. Dos Gerânios, nr. 458. Um dado sozinho não significa absolutamente nada se não estiver contextualizado. Esta contextualização vem através do segundo nível que é a informação.

A informação é um dado com algum significado. Assim, 98302103 é o número de um telefone celular e Al dos Gerânios, nr. 458 é um endereço. Na década de 90, os computadores evoluíram para não apenas processar dados, mas gerar informações a partir deles. Com base na Tecnologia da Informação foi possível tomar decisões melhores e chegar a resultados com muito mais rapidez. Com o tempo, apenas manter e produzir a informação deixou de ser suficiente. Foi o advento da Gestão do Conhecimento, (o terceiro nível) na década de 2000 que a humanidade subiu mais um nível.

Conhecimento então, nada mais é que uma informação contextualizada em uma determinada situação. Desta forma, o número do celular é de uma aluna minha muito bonita e o endereço é de onde ela mora. O conhecimento é um nível sofisticado de informação porque apela para a conexão de informações diferentes para serem usadas para determinados propósitos. A capacidade cognitiva de cada pessoa ajuda a tirar maior ou menor proveito deste conhecimento, pois a mesma informação pode ter significados diferentes para cada pessoa. É neste momento que a variedade de vivências que passamos pela vida faz toda a diferença, porque quanto mais experiências, mais interpretações diferentes podemos ter sobre a informação e, consequentemente, gerar muito mais conhecimento relevante.

O último nível é justamente o da sabedoria e envolve o uso que damos ao conhecimento que detemos. É a sabedoria que me diz para não convidar a minha aluna para sair. Não existe ainda tecnologia para trabalhar a sabedoria. Esta é ainda uma qualidade essencialmente humana. Pessoas sábias sabem usar da melhor forma o conhecimento que detém e não só tomam melhores decisões, mas compreendem com mais consciência a realidade em que vivem. As pessoas não devem almejar conhecer tudo, mas buscar este entendimento pleno da realidade, a sabedoria.

Assim, tudo o que sabemos, sentimos, pensamos, concluímos e percebemos não passa de um ponto de vista, originado única e exclusivamente pela nossa capacidade de interpretar e contextualizar cada informação ao contexto de nossas vivências e conhecimentos pré-adquiridos. Esta mesma realidade que percebemos de uma determinada forma, pode e certamente será percebida de forma muito diferente por outras pessoas que viveram experiências diferentes de nós e adquiriram conhecimentos distintos.

É com a busca constante da sabedoria que compreenderemos as diferentes realidades possíveis e que nos ajudará a ponderar nossas ações e decisões em direção a um caminho pautado pelo equilíbrio e bom senso. Ao refinar nossa percepção da realidade sob estes novos paradigmas aprenderemos a conviver melhor com as pessoas, ter um melhor entendimento do sentido da vida e ter uma vida mais feliz e plena.

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Entenda a ciência


Minha esposa está na fase final do seu doutorado em Psicologia da Educação na PUC São Paulo. Na medida em que a data da defesa de sua tese se aproxima é natural alguma apreensão e ansiedade. Não é de se admirar, afinal, a defesa pública de uma tese é a etapa final de um período de 4 anos de estudos ininterruptos sobre um determinado tema que resulta em uma contribuição científica para o meio acadêmico, é um momento que coroa todo este esforço sob a anuência de uma banca examinadora formada por acadêmicos experientes e reconhecidos neste mesmo campo de estudo. Por fim, representa um rito de passagem de aceite de novos membros para a comunidade científica, no qual o título de ‘Doutor’ confere um novo status na carreira acadêmica do professor.

Os não iniciados no meio acadêmico reagem de formas diversas aos relatos das agruras que minha esposa vem passando (e que eu mesmo passei quando fiz meu doutorado). Embora todos respeitem, admirem e torçam verdadeiramente pelo sucesso, muitos não conseguem entender porque vale tanto a pena esta titulação diante das perspectivas limitadas de remuneração da carreira acadêmica no Brasil e é para estes que escrevo este texto, com o objetivo de mostrar um pouco deste universo.

A ciência, ao contrário do que muitos imaginam, não está limitada ao campo da Biologia, Química, Física ou Tecnologia. O conhecimento científico é um conhecimento produzido por meio de métodos específicos e por isso mesmo seus resultados, uma vez publicados em revistas reconhecidas no meio de estudo, são aceitos como contribuições no desenvolvimento de determinadas áreas. Este processo acontece em Psicologia, Administração, Medicina, Engenharia e vários outros campos do conhecimento. Muito do que as empresas adotam como técnicas e ferramentas para melhorar sua gestão vêm de estudos científicos. Novos tratamentos para doenças ou técnicas de construção de edifícios também vêm de estudos científicos.

Todos os professores estão no meio acadêmico, mas somente os titulados como mestres ou doutores estão aptos a construir novos conhecimentos científicos. Embora o título seja o caminho para ingressar neste reduzido e seleto grupo de cientistas, só é de fato considerado pesquisador quem vai além da defesa de sua tese (doutorado) ou dissertação (mestrado) e segue na condução de estudos científicos para aprofundar a produção de conhecimento em seu campo de pesquisa. E aqui faço um rápido esclarecimento sobre a diferença entre um mestrado e doutorado. O mestre demonstra apenas que domina o método científico e sua dissertação deve demonstrar este domínio enquanto o doutor deve efetivamente produzir um conhecimento novo, inédito e relevante, usando estes métodos para contribuir com a geração de conhecimento científico.

Por este motivo, todos os professores estão engajados em projetos de pesquisa em suas universidades, e os resultados de seus estudos são publicados em revistas científicas. Para o não iniciado, é difícil ler e compreender os artigos publicados nestas revistas (na área de administração, alguns bons exemplos são a Revista de Administração de Empresas da FGV (RAE), Revista de Administração Contemporânea (RAC), Revista de Administração da USP (RAUSP), etc). Isso acontece porque a publicação de um texto científico deve seguir regras bem específicas, nas quais o resultado do estudo só é validado se for demonstrado que foi muito bem embasado em métodos apropriados e referências teóricas relevantes.

Isso significa, na prática, que estas revistas são orientadas para outros pesquisadores científicos e não para o público em geral. Um postulado importante no meio científico é que a construção do conhecimento deve estar apoiada em conhecimento já existente, ninguém cria conhecimento do nada, sempre precisa se referenciar ao que outros pesquisadores já construíram. Este é o motivo dos artigos acadêmicos sempre mencionarem artigos publicados de outros pesquisadores. Costumo fazer a analogia entre o conhecimento científico e a construção de um muro. Você não pode colocar um tijolo em qualquer lugar do muro, apenas sobre um tijolo já existente. O muro pode ser forte ou fraco dependendo do quão forte é o tijolo sobre o qual você colocou ou seu, ou seja, suas referências. O cimento é a metodologia aplicada, é o que dá credibilidade ao seu estudo.

Para o pesquisador, tão importante quanto publicar sua pesquisa é ter seu artigo citado por outros pesquisadores, pois isto significa que outros tijolos estão sendo colocados sobre o seu e sua contribuição é de fato relevante e aceita na comunidade. As revistas também tem este mesmo interesse e por isso são muito criteriosas ao escolher um artigo para publicar. O corpo editorial de uma revista é formado por pesquisadores renomados em seus campos de estudo. Para o pesquisador, é mais importante publicar os resultados de suas pesquisas em uma revista científica do que na forma de um livro, por exemplo. Embora o livro tenha um acesso mais amplo do que um artigo, este público é muito genérico, não despertando muito interesse do pesquisador além de massagear seu ego.

Como uma pesquisa é baseada no trabalho de outros pesquisadores, o trabalho cooperativo é muito comum no meio científico. Dificilmente encontramos artigos escritos por apenas um pesquisador. Geralmente os trabalhos são publicados por equipes de estudo. Um pesquisador pode estar liderando ou participando de vários projetos de pesquisa. Um projeto de pesquisa pode durar alguns poucos meses ou até vários anos, dependendo da profundidade da pesquisa. Esta profundidade é caracterizada pelo tempo gasto na coleta de dados de campo.

Dados de campo são observações que se faz no objeto da pesquisa para verificar fenômenos e procurar comprovar suas hipóteses e teses. São feitos por meio de questionários, entrevistas, observações, análise de documentos e até mesmo viver por um tempo dentro do meio sendo estudado. Da mesma forma que um biólogo observa o comportamento de macacos na Tasmânia, um psicólogo pode observar o comportamento de crianças ou um administrador pode estudar o desempenho de uma empresa.

E aqui vem a diferença entre a teoria e a prática. Um administrador conhece a prática, sabe o que dá certo e o que não dá certo na empresa, mas o que ele sabe muitas vezes só serve para aquelas circunstâncias específicas e não podem ser generalizadas para outras situações. Já um pesquisador científico em administração procura gerar um conhecimento que possa ser aplicado por muitas empresas, por isso ele estuda muitas empresas ou com profundidade uma ou poucas empresas, toma como base estudos de outros pesquisadores e tira suas próprias conclusões, concebendo, muitas vezes,  uma teoria nova. Quando se fala que, na prática, a teoria é outra, está-se afirmando que nem toda teoria pode ser generalizada para todas as empresas.

Este poder de gerar este tipo de conhecimento, relevante e aplicado, ajudando a compreender o mundo à nossa volta e trazendo soluções que ajudem a lidar com esta crescente complexidade é que constitui a verdadeira motivação do pesquisador científico, seu senso de propósito e sua satisfação pessoal. É para este mundo que minha esposa está se preparando para entrar dentro de alguns meses e é para ela que dedico este texto, juntamente com meus votos de boa sorte e sucesso!


domingo, 1 de julho de 2012

Carta a uma jovem adolescente

Eu escrevo estas palavras hoje para dar algumas dicas sobre carreira. Antes que você leia estas palavras com a expectativa de encontrar aqui o caminho para resolver suas dúvidas, devo alertá-la de que é possível que ao final você fique com mais dúvidas do que antes. Antes que você desista de ler o resto desta carta, devo alertá-la que a dúvida é saudável, é esperada e é útil. Na sua idade, a pior coisa que pode acontecer é chegar com certezas absolutas sobre sua carreira. A certeza impede a visão de outros caminhos, outras possibilidades. A falta de experiência e conhecimento mantém o jovem em uma realidade bastante limitada e, por consequência, restrita ao seu universo de vivências mais próximas de si. Ter certeza sobre a carreira neste momento de sua vida pode significar um grande equívoco, porque você pode estar apta para carreiras que você nem sequer cogitou pensar.


A segunda colocação que quero fazer é que, embora sua angústia por fazer uma boa escolha esteja-a impelindo a tomar uma decisão definitiva, o melhor é não aceitar nenhuma decisão como definitiva. Mudar o rumo de uma carreira no meio do caminho, embora indesejado, é uma possibilidade e é mais comum do que imaginamos. Eu mesmo mudei minha carreira depois de 20 anos e muito do que aprendi antes não só foi aproveitado na nova carreira, como se tornou meu diferencial perante os colegas de profissão. O que queremos é fazer uma boa escolha, mas esta escolha fica mais fácil e a responsabilidade pesa menos se soubermos que esta escolha pode ser alterada no futuro.


Outra coisa que tenho observado junto a jovens nesta fase é a busca por alguma carreira que seja promissora. E entenda ‘promissora’ como ‘rentável’. Como vivemos em uma sociedade capitalista, é natural que o ganho financeiro seja um valor com peso considerável em todas as nossas escolhas. Mas isso nada mais é do que um paradigma que precisamos quebrar. A melhor opção de carreira é aquela que nos dará a oportunidade e fazermos o que amamos. Se pudermos fazer o que amamos, certamente faremos bem, com grande excelência. Se o que se faz bem for reconhecido também, o ganho financeiro virá. Portanto, dinheiro é consequência de fazer algo com paixão e sua escolha tem que privilegiar a paixão em primeiro lugar e o ganho financeiro vem depois na lista de prioridades.


Existe uma diferença entre profissão e emprego. Você pode ter vários empregos, mas só a profissão te dá uma carreira. Na maioria das carreiras, chegar ao topo é equivalente a ser bem remunerado. Algumas carreiras remuneram pouco no começo, mas bem no topo, em outras, acontece o contrário, por isso é importante olhar para a tendência da carreira ao invés de apenas observar a facilidade de entrar no mercado. De qualquer forma, a remuneração só pode ser analisada junto com outros fatores, como bem estar, satisfação e realização pessoal, estilo de vida, exigências, etc. É o conjunto que precisa ser estudado e não só um ou outro aspecto isolado.


Então, como saber do que gostamos? Certamente você sabe o que gosta e também sabe o que não gosta. Mas também deve imaginar que tem um monte de coisas que você nunca experimentou ou conheceu e não sabe ainda se gosta ou não gosta. A melhor forma de descobrir isso é experimentando o máximo de coisas possíveis. Quanto mais diferentes, melhor. Isso significa tentar conhecer pessoas diferentes, ir a lugares diferentes, provar comidas diferentes, ler revistas diferentes, conhecer profissões diferentes. Este exercício ajuda a ampliar a visão do mundo e se contextualizar melhor para as coisas que de fato gostamos e o que não gostamos. Fazendo uma simples analogia, toda criança quer ser atriz, modelo, cantora ou astronauta, policial e jogador de futebol, não é? O adolescente tem uma visão de mundo maior que a criança e tem mais opções, mas ainda é limitado.


Outro ponto de discussão está relacionado com a aptidão. É natural buscarmos identificar em nossas aptidões alguns indicadores para possíveis carreiras. Algumas pessoas têm aptidão natural para música, outras, para manusear coisas pequenas (habilidades motoras finas), enquanto outras ainda, para relações pessoais. Você sabe quais são suas aptidões quando você experimenta fazer coisas diferentes: ajudar a mãe a organizar uma festa, fazer uma pesquisa na internet para um trabalho da escola, ajudar o pai a fazer os cálculos das finanças da casa, cuidar da irmã mais nova, dar conselhos para um amigo, entre outras coisas. Você vai descobrir que aptidão não é que você gosta, necessariamente, mas o que você faz bem, naturalmente.


Por fim, propósito. Muitas pessoas acreditam que desde que nascemos já estamos designados para um destino pré-estabelecido, ou seja, já estamos predestinados. As pessoas, assim, nascem com um propósito, uma missão, um desígnio. Os que acreditam nesta filosofia gostariam de ter nascido com alguma carta que dissesse já qual seria sua missão. Infelizmente isso não acontece e as pessoas precisam descobrir seu propósito. Algumas pessoas descobrem seu propósito na sua própria atividade profissional, o que é uma grande sorte ou excelente percepção interna. Não entenda aqui que propósito de vida sejam apenas causas sociais, em geral é, mas é muito mais do que isto. Já conheci professores que escrevem livros para democratizar o conhecimento, aventureiros que exploram os oceanos para desvendar mistérios para a humanidade, químicos que dedicam sua vida para descobrir curas, engenheiros que têm clara sua missão de construir pontes para ligar pessoas, e assim por diante.


Muitos passam sua vida inteira e morrem sem saber se cumpriram sua missão. Existe uma grande chance de você estar na idade de escolher a carreira sem saber qual é o seu propósito de vida. Em algum momento da sua vida, espero que você descubra o seu, mas acredito que esta descoberta não virá antes de escolher sua carreira. E qual é o problema de descobrir depois, não é?


Assim, minha filha, quero finalizar esta carta dizendo que não existe uma carreira perfeita, mas existe aquela que melhor se aproxima a este trinômio PROPÓSITO X APTIDÃO X SATISFAÇÃO, ou seja, algo que você gosta de fazer, faz bem e você está destinada a fazer. Esta é a fórmula da carreira de sucesso, na minha opinião, e a sua busca deve considerar todas as possibilidades que existem e não apenas aquelas que todo mundo busca ou recomenda. Tenha personalidade, tenha fé e seja feliz!


quarta-feira, 6 de junho de 2012

O paradoxo do excesso de informação

O sujeito acorda, toma o café da manhã e lê o seu jornal. Pega o carro para ir ao trabalho e no caminho vai ouvindo as notícias na Band News ou CBN. Chega no trabalho e ao longo do dia vai checando as novidades em algum portal de notícias: UOL, Terra, Ig, etc. Quando volta para casa, assiste o Jornal Nacional e, se ainda der tempo, o Jornal da Globo mais tarde.

Se você se identificou com esta rotina, você é um dentre milhares de brasileiros que se mantém informados da mesma maneira. O fato de seguirmos todos uma rotina parecida de acesso às informações demonstra que estamos todos pensando de forma semelhante. Quando usamos as mesmas fontes somos influenciados da mesma maneira e perdemos aos poucos a capacidade de pensar diferente. Nosso modelo mental tem as mesmas referências que todas as demais pessoas e isso vai tornando nosso pensamento cada vez mais homogeneizado. Isso é péssimo para a criatividade. Criatividade é pensar diferente dos demais, é olhar para onde todos olham e enxergar o que os outros não enxergam.

Este fenômeno não é difícil de explicar. A informação, até pouco tempo atrás um recurso escasso, se tornou mais uma commodity nos dias de hoje graças à tecnologia da informação. Se você reparar bem, é difícil um canal de noticias divulgar sozinho um grande furo de reportagem. A internet ampliou drasticamente a capacidade de disseminação irrestrita da informação e muitos de nós nem sequer aprendemos a lidar com este fato. Nada mais natural que nossa geração, que sofreu com a carência de informações no passado, se sinta ansiosa hoje pelas notícias, beba de tudo e de todas as fontes, assina um monte de newsletters, RSS feeds, blogs e segue pelo twitter várias fontes de informação. Logo nos damos conta que não temos como digerir tudo e invejamos os jovens que hoje sabem tudo o que está acontecendo por meio de mensagens de 128 caracteres, só as manchetes.

A questão se torna ainda mais grave quando nos damos conta que muitas mídias, para conseguirem se diferenciar das demais, estão começando a trazer especialistas para comentar os fatos que noticiam. Assim, médicos, economistas, engenheiros, biólogos, etc começam a fazer parte da mídia. Eu mesmo dou muita entrevista para estes veículos de comunicação. Nossa opinião é respeitada e dá credibilidade à notícia. O corolário desta abordagem é que agora, além da informação já vir pronta, a opinião também já vem mastigada. Estamos perdendo até mesmo a capacidade de olhar de forma crítica as notícias que acessamos. Já não questionamos mais a informação que recebemos. Assumimos tudo como verdade, posto que ninguém ousaria contrariar os especialistas que trazem suas visões acerca destes assuntos que eles conhecem melhor do que você.

A diversidade de opiniões está morrendo. A multiplicidade dos pontos de vista está se acabando. As diversas perspectivas sobre a mesma realidade está se reduzindo. Quer fazer uma experiência para constatar o que estou dizendo? Da próxima vez que o seu time de futebol jogar, assista o jogo pela televisão, mas desligue o som. Veja apenas as imagens. Ao final do jogo, procure seus amigos para comentar sobre o jogo. Sabe o que você vai perceber? Que a sua visão é diferente da visão dos colegas. Você viu coisas que eles não viram, você percebeu coisas que eles não perceberam. Por quê isso acontece? Simplesmente porque eles incorporaram para si a opinião dos comentaristas que sempre acompanham os jogos junto com a transmissão. É mais fácil adotar como sendo deles a opinião que na verdade é dos especialistas, mas como você desligou o som, não os ouviu e, portanto, não se contaminou com estas opiniões e manifestou sua própria percepção do jogo, isenta de influências.

Por maior que seja o compromisso ético com a verdade adotado pelos principais veículos de comunicação do país, eles serão sempre tendenciosos e terão sempre um viés na interpretação dos fatos. Na democracia plena, que exerce o pleno direito de manifestação das opiniões, pessoas e entidades sempre trarão a sua própria visão, distorcendo, em maior ou menor grau, a forma como você incorpora e assimila a informação. Isso é feito de forma bastante sutil, pois o fato continua sendo o mesmo, mas nos detalhes podemos ver como uma escolha de uma palavra, um adjetivo no lugar de outro, uma simples mudança no tempo verbal, já causa um impacto considerável na forma como interpretamos a notícia.

Para não perder o seu senso crítico, e ao mesmo tempo, ter uma visão mais clara do que é a verdadeira realidade, sugiro que busque fontes distintas de informações, sempre que puder. Na confrontação de vieses diferentes de interpretação dos fatos você tende a compreender melhor o que de fato aconteceu, sem distorções indesejadas. Assim, comece a ler o Jornal da Tarde ao invés do Estadão, assista o Jornal da Record no lugar do Jornal Nacional. A internet é perfeita para isso, por exemplo, ao invés de se informar sobre o caso do programa nuclear iraniano pelos jornais ou portais de notícias que você sempre acessa, experimente ler o site da rede Al Jazeera, um dos jornais mais lidos pela comunidade árabe. Você verá outros pontos de vista sobre o mesmo fato, outras perspectivas, outros argumentos, outras opiniões, inclusive contraditórias aos veiculados pelos canais que você usa sempre.

Há um bom tempo atrás, a agência de publicidade do Grupo Folha ganhou um importante prêmio com uma campanha cuja frase final era: 'É possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade' (confira aqui), e é esse justamente o cuidado que temos que ter ao acessar a informação nas diversas mídias que temos acesso agora. Nossa preocupação não deve mais ser apenas a quantidade, mas a qualidade da informação, sobretudo a qualidade do que pensamos e não do que lemos.


segunda-feira, 7 de maio de 2012

A pirâmide da Carreira


Muita gente ainda me pergunta, até hoje, como tomei uma decisão tão radical de sair do mercado financeiro, mais particularmente do Citibank, para me aventurar com um negócio próprio. As dúvidas vêm principalmente dos alunos da graduação, para quem trabalhar em uma grande multinacional é tudo de bom. Na época, a aventura fazia todo o sentido. Para quem se lembra, 2001 era o grande momento da Nova Economia, o primeiro grande movimento das empresas de internet. Muitos altos executivos do banco estavam fazendo a mesma coisa. Apesar disto, só depois de alguns anos é que encontrei as explicações para algumas decisões que tomei na minha vida profissional. Elas vieram na forma de uma palestra do hoje consultor de liderança Robert Wong que assisti em 2003 que tomei a liberdade de adaptar neste artigo.

As pessoas passam por fases diferentes em suas trajetórias de carreira de acordo com suas necessidades. Assim, no começo as pessoas precisam de alguma forma de remuneração, qualquer forma de ganho que possa atender suas necessidades básicas de sobrevivência, se alimentar, se vestir e ter algum lugar para dormir. Este primeiro degrau da pirâmide é o Trabalho. Muitas pessoas com pouca ou nenhuma qualificação sobrevivem neste esquema, como serventes de pedreiro, camelôs, ajudantes de cozinha, e outras atividades informais e de baixa remuneração.

Logo eles conseguem formalizar sua condição e passam para o outro nível, o Emprego. A característica do emprego é que a atividade executada em troca de um salário é reconhecida formalmente com registro na carteira profissional e todos os direitos legais relacionados. Justamente estes direitos é que garantem o atendimento de outra necessidade básica das pessoas, a segurança. Estão nesta categoria as secretárias, os Office boys, os porteiros, as empregadas domésticas, operadores de caixa e outros, também com baixa qualificação e remuneração idem. Estes dois primeiros degraus da pirâmide cobrem a maior parte das atividades da população economicamente ativa.

Com um pouco mais de ambição, o jovem não se contenta com o atendimento destas necessidades básicas e busca um reconhecimento maior da sociedade. Este tipo de necessidade é atendido no próximo nível da pirâmide conhecido como Profissão. Qualquer pessoa que adquire algum nível de conhecimento ou habilidade específica já se caracteriza como mão de obra qualificada e se enquadra em outra faixa de remuneração e reconhecimento. Esta categoria abrange desde os torneiros mecânicos até os médicos e advogados.

O próximo nível é o da Carreira em si. Ter uma especialização, para muitas pessoas, é apenas o primeiro passo na sua carreira. O objetivo delas na verdade é maior, elas querem crescer na sua profissão e é aí que surgem os cargos e promoções. Um Analista de Sistemas quer se tornar Analista Senior, depois um Gerente de Sistemas e então um Diretor de Informática. A remuneração cresce na mesma proporção, ampliando a possibilidade de atender mais necessidades, desejos e sonhos. Nada mais natural, portanto, que as pessoas acreditem que a Carreira seja a etapa final da pirâmide, afinal, o que mais pode existir para quem chegou à Presidência de uma grande empresa multinacional?

Acontece que não é o fim ainda, pois a necessidade maior, de auto realização, muitas vezes não é atendida neste nível. Já conheci muitos altos executivos de grandes organizações que se sentem deprimidos com o poder e longe de se sentirem realizados. Também já vi muitos deles abandonarem suas carreiras para fazer algo totalmente diferente. O topo da pirâmide, assim, pode ser denominado de Missão, aquilo que procuramos para nos sentirmos completos, um senso de propósito que vai além da remuneração e do poder. Nossa sociedade de valores capitalistas acaba mascarando e escondendo esta importante etapa de nossas vidas, nos levando a acreditar que o topo da carreira é o topo da pirâmide. Se não percebemos isso a tempo, desperdiçamos nosso tempo em busca de realizações vazias de propósito e perdemos oportunidades de fazer o que realmente faz sentido.

Algumas pessoas, como eu, na medida em que vão avançando na carreira, começam a se sentir desconfortáveis com o ambiente, se sentem deslocados e cada vez menos dispostos a jogar o jogo do poder. Ao se dar conta que existe ainda outro degrau na pirâmide, nos livramos deste fardo e passamos a procurar atividades que deem este senso de propósito. É isso que justifica porque altos executivos se dedicam a atividades sociais, assistencialistas, de sustentabilidade, ou simplesmente se tornam empreendedores.

Empreendedores possuem, em geral, este senso de missão desenvolvido de forma mais apurada e forte. Muitos dos fundamentos que movem os empreendedores em seus empreendimentos e explicam sua determinação e persistência estão embasados em uma visão de futuro bem consolidada e um senso de propósito claro e maior do que o mero ganho financeiro.

Sabendo disto, é hora de questionar o direcionamento que você está dando para sua carreira. Pode até ser que empreendedorismo não caiba nas suas expectativas, mas pare para pensar no que você julga importante na sua carreira, será que é isso mesmo? Ou será que está na hora de dar um novo direcionamento no qual você possa estar mais próximo do que realmente tem significado para você? Para fazer esta auto análise, lembre-se de tirar o dinheiro e o poder da frente, pois podem estar encobrindo sua visão para o que é verdadeiramente importante. Não se esqueça, em algum momento no passado estes pontos eram de fato importantes na sua vida, mas na medida em que sua carreira se desenvolve e as necessidades vão mudando, estes mesmos pontos passam a perder importância para que outras coisas se sobressaiam. Se você não sabe o que pode ser mais importante do que dinheiro e poder, procure descobrir ou o caminho que você está trilhando pode estar errado!