Neste mês
minha esposa obteve o título de Doutora pela PUC-SP na área de psicologia da
educação e somos agora um casal de doutores (obtive o meu em Administração de
Empresas pela EAESP/FGV em 2010). Ultimamente tenho feito algumas reflexões
sobre o significado de uma conquista como esta, após vários anos de estudo e
dedicação a um projeto de pesquisa, e, depois de assistir a um episódio do Big
Bang Theory, no qual o nerd Sheldon se queixa de ser incompreendido, resolvi
compartilhar estas reflexões neste canal.
Os aspectos
positivos são evidentes, sobretudo o respeito da comunidade acadêmica e um novo
status de reconhecimento e credibilidade em praticamente tudo o que se produz:
textos, artigos, palestras, aulas, entrevistas, depoimentos, etc. Faz muito bem
para o ego saber que você é reconhecido como um dos especialistas em
empreendedorismo no país. Claro que o reconhecimento é mais do que merecido,
até porque lutei muito para construir esta imagem, que vai muito além do título
de doutor. Mas o que quero falar aqui é o outro lado, menos conhecido e
discutido, sobre as desvantagens de ser um ‘doutor em empreendedorismo’.
Em primeiro
lugar, um aviso aos alunos. O fato de seu professor ser doutor não significa
que ele é um grande professor. Talvez ele possa ser um grande pesquisador, mas
as habilidades exigidas de um pesquisador é a de produzir conhecimento,
enquanto um professor deve saber transmitir conhecimento e a verdade é que nem
todo bom pesquisador tem bom domínio de sala de aula ou detém boas práticas de
ensino e didática.
Em segundo
lugar, um aviso aos jornalistas. Os doutores só são especialistas em uma coisa
muito específica. Eu, por exemplo, sou especialista em empreendedorismo corporativo,
mas sou requisitado para falar sobre qualquer coisa relacionada com
empreendedorismo. O meu conhecimento sobre pequenas empresas, perfil
empreendedor, franquias, gestão de negócios, inovação são muito superficiais.
Meu conhecimento sobre estes temas é tão profundo quanto o dominado por
qualquer outro professor de empreendedorismo e o título de doutor não me faz
diferente deles.
Em terceiro
lugar, um aviso aos leitores de revistas e jornais. O fato de uma notícia estar
baseada em pesquisas acadêmicas, na maioria dos casos não significa
absolutamente nada. Não se pode tomar nenhum estudo como definitivo e
conclusivo. A grande maioria dos estudos está fundamentada em análises de dados
que não podem ser generalizados. Assim, se um estudo diz que 53% das pessoas
tem ou já tiveram um negócio próprio, pode significar também que alguém que já
teve algum lucro vendendo algo pela internet no Mercado Livre, por exemplo, ou
um programador free-lance, que presta serviço para varias empresas, ou ainda
uma revendedora da Natura, podem ter sido considerados nesta estatística, pois
depende muito do que cada um entende por negócio próprio. Todas as pesquisas
sempre vão ter algum grau de viés de interpretação que pode não representar a
realidade. Por isso, vejam os resultados de estudos científicos com muita
parcimônia e ressalva.
Em quarto
lugar, um aviso aos acadêmicos. O título e o reconhecimento acadêmico não devem
subir à cabeça. Embora a leitura de uma revista Exame ou Época possa parecer
mundano e superficial, não podemos e nem devemos nos limitar ao estrito mundo
acadêmico, pois o mundo lá fora é real e é onde vamos buscar conhecer os
fenômenos que geram o conhecimento científico. Pesquisadores que se colocam no
pedestal do conhecimento e se tornam arrogantes e orgulhosos estão fadados a
produzir conhecimento de pouca relevância prática, podendo até gerar pontos
pelas publicações, mas dificilmente atenderá demandas da sociedade em geral.
Por último,
uma reflexão final. A visão de mundo muda depois de um processo intenso de
contato com a produção de conhecimento científico. Ao mesmo tempo em que se
amplia pelas descobertas que surgem, também diminui porque poucas coisas do
nosso dia-a-dia se mostram de fato relevantes. Nos vemos constantemente
criticando o pensamento alheio em reuniões sociais porque no fundo queremos
sempre perguntar ‘de onde você tirou esta conclusão?’, ‘Com base em quê você
afirma isso?’, ‘Qual a fundamentação desta teoria?’ ou ‘Alguém já falou sobre
isso?’. O nosso risco é acabarmos nos transformando naquelas pessoas chatas e
sem noção, com capacidade mínima de interação social e que acabam se isolando
do mundo, fechando-se em um mundo de teorias e observações empíricas.
Bazinga!