quarta-feira, 6 de junho de 2012

O paradoxo do excesso de informação

O sujeito acorda, toma o café da manhã e lê o seu jornal. Pega o carro para ir ao trabalho e no caminho vai ouvindo as notícias na Band News ou CBN. Chega no trabalho e ao longo do dia vai checando as novidades em algum portal de notícias: UOL, Terra, Ig, etc. Quando volta para casa, assiste o Jornal Nacional e, se ainda der tempo, o Jornal da Globo mais tarde.

Se você se identificou com esta rotina, você é um dentre milhares de brasileiros que se mantém informados da mesma maneira. O fato de seguirmos todos uma rotina parecida de acesso às informações demonstra que estamos todos pensando de forma semelhante. Quando usamos as mesmas fontes somos influenciados da mesma maneira e perdemos aos poucos a capacidade de pensar diferente. Nosso modelo mental tem as mesmas referências que todas as demais pessoas e isso vai tornando nosso pensamento cada vez mais homogeneizado. Isso é péssimo para a criatividade. Criatividade é pensar diferente dos demais, é olhar para onde todos olham e enxergar o que os outros não enxergam.

Este fenômeno não é difícil de explicar. A informação, até pouco tempo atrás um recurso escasso, se tornou mais uma commodity nos dias de hoje graças à tecnologia da informação. Se você reparar bem, é difícil um canal de noticias divulgar sozinho um grande furo de reportagem. A internet ampliou drasticamente a capacidade de disseminação irrestrita da informação e muitos de nós nem sequer aprendemos a lidar com este fato. Nada mais natural que nossa geração, que sofreu com a carência de informações no passado, se sinta ansiosa hoje pelas notícias, beba de tudo e de todas as fontes, assina um monte de newsletters, RSS feeds, blogs e segue pelo twitter várias fontes de informação. Logo nos damos conta que não temos como digerir tudo e invejamos os jovens que hoje sabem tudo o que está acontecendo por meio de mensagens de 128 caracteres, só as manchetes.

A questão se torna ainda mais grave quando nos damos conta que muitas mídias, para conseguirem se diferenciar das demais, estão começando a trazer especialistas para comentar os fatos que noticiam. Assim, médicos, economistas, engenheiros, biólogos, etc começam a fazer parte da mídia. Eu mesmo dou muita entrevista para estes veículos de comunicação. Nossa opinião é respeitada e dá credibilidade à notícia. O corolário desta abordagem é que agora, além da informação já vir pronta, a opinião também já vem mastigada. Estamos perdendo até mesmo a capacidade de olhar de forma crítica as notícias que acessamos. Já não questionamos mais a informação que recebemos. Assumimos tudo como verdade, posto que ninguém ousaria contrariar os especialistas que trazem suas visões acerca destes assuntos que eles conhecem melhor do que você.

A diversidade de opiniões está morrendo. A multiplicidade dos pontos de vista está se acabando. As diversas perspectivas sobre a mesma realidade está se reduzindo. Quer fazer uma experiência para constatar o que estou dizendo? Da próxima vez que o seu time de futebol jogar, assista o jogo pela televisão, mas desligue o som. Veja apenas as imagens. Ao final do jogo, procure seus amigos para comentar sobre o jogo. Sabe o que você vai perceber? Que a sua visão é diferente da visão dos colegas. Você viu coisas que eles não viram, você percebeu coisas que eles não perceberam. Por quê isso acontece? Simplesmente porque eles incorporaram para si a opinião dos comentaristas que sempre acompanham os jogos junto com a transmissão. É mais fácil adotar como sendo deles a opinião que na verdade é dos especialistas, mas como você desligou o som, não os ouviu e, portanto, não se contaminou com estas opiniões e manifestou sua própria percepção do jogo, isenta de influências.

Por maior que seja o compromisso ético com a verdade adotado pelos principais veículos de comunicação do país, eles serão sempre tendenciosos e terão sempre um viés na interpretação dos fatos. Na democracia plena, que exerce o pleno direito de manifestação das opiniões, pessoas e entidades sempre trarão a sua própria visão, distorcendo, em maior ou menor grau, a forma como você incorpora e assimila a informação. Isso é feito de forma bastante sutil, pois o fato continua sendo o mesmo, mas nos detalhes podemos ver como uma escolha de uma palavra, um adjetivo no lugar de outro, uma simples mudança no tempo verbal, já causa um impacto considerável na forma como interpretamos a notícia.

Para não perder o seu senso crítico, e ao mesmo tempo, ter uma visão mais clara do que é a verdadeira realidade, sugiro que busque fontes distintas de informações, sempre que puder. Na confrontação de vieses diferentes de interpretação dos fatos você tende a compreender melhor o que de fato aconteceu, sem distorções indesejadas. Assim, comece a ler o Jornal da Tarde ao invés do Estadão, assista o Jornal da Record no lugar do Jornal Nacional. A internet é perfeita para isso, por exemplo, ao invés de se informar sobre o caso do programa nuclear iraniano pelos jornais ou portais de notícias que você sempre acessa, experimente ler o site da rede Al Jazeera, um dos jornais mais lidos pela comunidade árabe. Você verá outros pontos de vista sobre o mesmo fato, outras perspectivas, outros argumentos, outras opiniões, inclusive contraditórias aos veiculados pelos canais que você usa sempre.

Há um bom tempo atrás, a agência de publicidade do Grupo Folha ganhou um importante prêmio com uma campanha cuja frase final era: 'É possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade' (confira aqui), e é esse justamente o cuidado que temos que ter ao acessar a informação nas diversas mídias que temos acesso agora. Nossa preocupação não deve mais ser apenas a quantidade, mas a qualidade da informação, sobretudo a qualidade do que pensamos e não do que lemos.