quarta-feira, 10 de abril de 2013

Dilemas do especialista



Neste mês minha esposa obteve o título de Doutora pela PUC-SP na área de psicologia da educação e somos agora um casal de doutores (obtive o meu em Administração de Empresas pela EAESP/FGV em 2010). Ultimamente tenho feito algumas reflexões sobre o significado de uma conquista como esta, após vários anos de estudo e dedicação a um projeto de pesquisa, e, depois de assistir a um episódio do Big Bang Theory, no qual o nerd Sheldon se queixa de ser incompreendido, resolvi compartilhar estas reflexões neste canal.
Os aspectos positivos são evidentes, sobretudo o respeito da comunidade acadêmica e um novo status de reconhecimento e credibilidade em praticamente tudo o que se produz: textos, artigos, palestras, aulas, entrevistas, depoimentos, etc. Faz muito bem para o ego saber que você é reconhecido como um dos especialistas em empreendedorismo no país. Claro que o reconhecimento é mais do que merecido, até porque lutei muito para construir esta imagem, que vai muito além do título de doutor. Mas o que quero falar aqui é o outro lado, menos conhecido e discutido, sobre as desvantagens de ser um ‘doutor em empreendedorismo’.
Em primeiro lugar, um aviso aos alunos. O fato de seu professor ser doutor não significa que ele é um grande professor. Talvez ele possa ser um grande pesquisador, mas as habilidades exigidas de um pesquisador é a de produzir conhecimento, enquanto um professor deve saber transmitir conhecimento e a verdade é que nem todo bom pesquisador tem bom domínio de sala de aula ou detém boas práticas de ensino e didática.
Em segundo lugar, um aviso aos jornalistas. Os doutores só são especialistas em uma coisa muito específica. Eu, por exemplo, sou especialista em empreendedorismo corporativo, mas sou requisitado para falar sobre qualquer coisa relacionada com empreendedorismo. O meu conhecimento sobre pequenas empresas, perfil empreendedor, franquias, gestão de negócios, inovação são muito superficiais. Meu conhecimento sobre estes temas é tão profundo quanto o dominado por qualquer outro professor de empreendedorismo e o título de doutor não me faz diferente deles.
Em terceiro lugar, um aviso aos leitores de revistas e jornais. O fato de uma notícia estar baseada em pesquisas acadêmicas, na maioria dos casos não significa absolutamente nada. Não se pode tomar nenhum estudo como definitivo e conclusivo. A grande maioria dos estudos está fundamentada em análises de dados que não podem ser generalizados. Assim, se um estudo diz que 53% das pessoas tem ou já tiveram um negócio próprio, pode significar também que alguém que já teve algum lucro vendendo algo pela internet no Mercado Livre, por exemplo, ou um programador free-lance, que presta serviço para varias empresas, ou ainda uma revendedora da Natura, podem ter sido considerados nesta estatística, pois depende muito do que cada um entende por negócio próprio. Todas as pesquisas sempre vão ter algum grau de viés de interpretação que pode não representar a realidade. Por isso, vejam os resultados de estudos científicos com muita parcimônia e ressalva.
Em quarto lugar, um aviso aos acadêmicos. O título e o reconhecimento acadêmico não devem subir à cabeça. Embora a leitura de uma revista Exame ou Época possa parecer mundano e superficial, não podemos e nem devemos nos limitar ao estrito mundo acadêmico, pois o mundo lá fora é real e é onde vamos buscar conhecer os fenômenos que geram o conhecimento científico. Pesquisadores que se colocam no pedestal do conhecimento e se tornam arrogantes e orgulhosos estão fadados a produzir conhecimento de pouca relevância prática, podendo até gerar pontos pelas publicações, mas dificilmente atenderá demandas da sociedade em geral.
Por último, uma reflexão final. A visão de mundo muda depois de um processo intenso de contato com a produção de conhecimento científico. Ao mesmo tempo em que se amplia pelas descobertas que surgem, também diminui porque poucas coisas do nosso dia-a-dia se mostram de fato relevantes. Nos vemos constantemente criticando o pensamento alheio em reuniões sociais porque no fundo queremos sempre perguntar ‘de onde você tirou esta conclusão?’, ‘Com base em quê você afirma isso?’, ‘Qual a fundamentação desta teoria?’ ou ‘Alguém já falou sobre isso?’. O nosso risco é acabarmos nos transformando naquelas pessoas chatas e sem noção, com capacidade mínima de interação social e que acabam se isolando do mundo, fechando-se em um mundo de teorias e observações empíricas.
Bazinga!