sexta-feira, 27 de julho de 2012

Entenda a ciência


Minha esposa está na fase final do seu doutorado em Psicologia da Educação na PUC São Paulo. Na medida em que a data da defesa de sua tese se aproxima é natural alguma apreensão e ansiedade. Não é de se admirar, afinal, a defesa pública de uma tese é a etapa final de um período de 4 anos de estudos ininterruptos sobre um determinado tema que resulta em uma contribuição científica para o meio acadêmico, é um momento que coroa todo este esforço sob a anuência de uma banca examinadora formada por acadêmicos experientes e reconhecidos neste mesmo campo de estudo. Por fim, representa um rito de passagem de aceite de novos membros para a comunidade científica, no qual o título de ‘Doutor’ confere um novo status na carreira acadêmica do professor.

Os não iniciados no meio acadêmico reagem de formas diversas aos relatos das agruras que minha esposa vem passando (e que eu mesmo passei quando fiz meu doutorado). Embora todos respeitem, admirem e torçam verdadeiramente pelo sucesso, muitos não conseguem entender porque vale tanto a pena esta titulação diante das perspectivas limitadas de remuneração da carreira acadêmica no Brasil e é para estes que escrevo este texto, com o objetivo de mostrar um pouco deste universo.

A ciência, ao contrário do que muitos imaginam, não está limitada ao campo da Biologia, Química, Física ou Tecnologia. O conhecimento científico é um conhecimento produzido por meio de métodos específicos e por isso mesmo seus resultados, uma vez publicados em revistas reconhecidas no meio de estudo, são aceitos como contribuições no desenvolvimento de determinadas áreas. Este processo acontece em Psicologia, Administração, Medicina, Engenharia e vários outros campos do conhecimento. Muito do que as empresas adotam como técnicas e ferramentas para melhorar sua gestão vêm de estudos científicos. Novos tratamentos para doenças ou técnicas de construção de edifícios também vêm de estudos científicos.

Todos os professores estão no meio acadêmico, mas somente os titulados como mestres ou doutores estão aptos a construir novos conhecimentos científicos. Embora o título seja o caminho para ingressar neste reduzido e seleto grupo de cientistas, só é de fato considerado pesquisador quem vai além da defesa de sua tese (doutorado) ou dissertação (mestrado) e segue na condução de estudos científicos para aprofundar a produção de conhecimento em seu campo de pesquisa. E aqui faço um rápido esclarecimento sobre a diferença entre um mestrado e doutorado. O mestre demonstra apenas que domina o método científico e sua dissertação deve demonstrar este domínio enquanto o doutor deve efetivamente produzir um conhecimento novo, inédito e relevante, usando estes métodos para contribuir com a geração de conhecimento científico.

Por este motivo, todos os professores estão engajados em projetos de pesquisa em suas universidades, e os resultados de seus estudos são publicados em revistas científicas. Para o não iniciado, é difícil ler e compreender os artigos publicados nestas revistas (na área de administração, alguns bons exemplos são a Revista de Administração de Empresas da FGV (RAE), Revista de Administração Contemporânea (RAC), Revista de Administração da USP (RAUSP), etc). Isso acontece porque a publicação de um texto científico deve seguir regras bem específicas, nas quais o resultado do estudo só é validado se for demonstrado que foi muito bem embasado em métodos apropriados e referências teóricas relevantes.

Isso significa, na prática, que estas revistas são orientadas para outros pesquisadores científicos e não para o público em geral. Um postulado importante no meio científico é que a construção do conhecimento deve estar apoiada em conhecimento já existente, ninguém cria conhecimento do nada, sempre precisa se referenciar ao que outros pesquisadores já construíram. Este é o motivo dos artigos acadêmicos sempre mencionarem artigos publicados de outros pesquisadores. Costumo fazer a analogia entre o conhecimento científico e a construção de um muro. Você não pode colocar um tijolo em qualquer lugar do muro, apenas sobre um tijolo já existente. O muro pode ser forte ou fraco dependendo do quão forte é o tijolo sobre o qual você colocou ou seu, ou seja, suas referências. O cimento é a metodologia aplicada, é o que dá credibilidade ao seu estudo.

Para o pesquisador, tão importante quanto publicar sua pesquisa é ter seu artigo citado por outros pesquisadores, pois isto significa que outros tijolos estão sendo colocados sobre o seu e sua contribuição é de fato relevante e aceita na comunidade. As revistas também tem este mesmo interesse e por isso são muito criteriosas ao escolher um artigo para publicar. O corpo editorial de uma revista é formado por pesquisadores renomados em seus campos de estudo. Para o pesquisador, é mais importante publicar os resultados de suas pesquisas em uma revista científica do que na forma de um livro, por exemplo. Embora o livro tenha um acesso mais amplo do que um artigo, este público é muito genérico, não despertando muito interesse do pesquisador além de massagear seu ego.

Como uma pesquisa é baseada no trabalho de outros pesquisadores, o trabalho cooperativo é muito comum no meio científico. Dificilmente encontramos artigos escritos por apenas um pesquisador. Geralmente os trabalhos são publicados por equipes de estudo. Um pesquisador pode estar liderando ou participando de vários projetos de pesquisa. Um projeto de pesquisa pode durar alguns poucos meses ou até vários anos, dependendo da profundidade da pesquisa. Esta profundidade é caracterizada pelo tempo gasto na coleta de dados de campo.

Dados de campo são observações que se faz no objeto da pesquisa para verificar fenômenos e procurar comprovar suas hipóteses e teses. São feitos por meio de questionários, entrevistas, observações, análise de documentos e até mesmo viver por um tempo dentro do meio sendo estudado. Da mesma forma que um biólogo observa o comportamento de macacos na Tasmânia, um psicólogo pode observar o comportamento de crianças ou um administrador pode estudar o desempenho de uma empresa.

E aqui vem a diferença entre a teoria e a prática. Um administrador conhece a prática, sabe o que dá certo e o que não dá certo na empresa, mas o que ele sabe muitas vezes só serve para aquelas circunstâncias específicas e não podem ser generalizadas para outras situações. Já um pesquisador científico em administração procura gerar um conhecimento que possa ser aplicado por muitas empresas, por isso ele estuda muitas empresas ou com profundidade uma ou poucas empresas, toma como base estudos de outros pesquisadores e tira suas próprias conclusões, concebendo, muitas vezes,  uma teoria nova. Quando se fala que, na prática, a teoria é outra, está-se afirmando que nem toda teoria pode ser generalizada para todas as empresas.

Este poder de gerar este tipo de conhecimento, relevante e aplicado, ajudando a compreender o mundo à nossa volta e trazendo soluções que ajudem a lidar com esta crescente complexidade é que constitui a verdadeira motivação do pesquisador científico, seu senso de propósito e sua satisfação pessoal. É para este mundo que minha esposa está se preparando para entrar dentro de alguns meses e é para ela que dedico este texto, juntamente com meus votos de boa sorte e sucesso!


domingo, 1 de julho de 2012

Carta a uma jovem adolescente

Eu escrevo estas palavras hoje para dar algumas dicas sobre carreira. Antes que você leia estas palavras com a expectativa de encontrar aqui o caminho para resolver suas dúvidas, devo alertá-la de que é possível que ao final você fique com mais dúvidas do que antes. Antes que você desista de ler o resto desta carta, devo alertá-la que a dúvida é saudável, é esperada e é útil. Na sua idade, a pior coisa que pode acontecer é chegar com certezas absolutas sobre sua carreira. A certeza impede a visão de outros caminhos, outras possibilidades. A falta de experiência e conhecimento mantém o jovem em uma realidade bastante limitada e, por consequência, restrita ao seu universo de vivências mais próximas de si. Ter certeza sobre a carreira neste momento de sua vida pode significar um grande equívoco, porque você pode estar apta para carreiras que você nem sequer cogitou pensar.


A segunda colocação que quero fazer é que, embora sua angústia por fazer uma boa escolha esteja-a impelindo a tomar uma decisão definitiva, o melhor é não aceitar nenhuma decisão como definitiva. Mudar o rumo de uma carreira no meio do caminho, embora indesejado, é uma possibilidade e é mais comum do que imaginamos. Eu mesmo mudei minha carreira depois de 20 anos e muito do que aprendi antes não só foi aproveitado na nova carreira, como se tornou meu diferencial perante os colegas de profissão. O que queremos é fazer uma boa escolha, mas esta escolha fica mais fácil e a responsabilidade pesa menos se soubermos que esta escolha pode ser alterada no futuro.


Outra coisa que tenho observado junto a jovens nesta fase é a busca por alguma carreira que seja promissora. E entenda ‘promissora’ como ‘rentável’. Como vivemos em uma sociedade capitalista, é natural que o ganho financeiro seja um valor com peso considerável em todas as nossas escolhas. Mas isso nada mais é do que um paradigma que precisamos quebrar. A melhor opção de carreira é aquela que nos dará a oportunidade e fazermos o que amamos. Se pudermos fazer o que amamos, certamente faremos bem, com grande excelência. Se o que se faz bem for reconhecido também, o ganho financeiro virá. Portanto, dinheiro é consequência de fazer algo com paixão e sua escolha tem que privilegiar a paixão em primeiro lugar e o ganho financeiro vem depois na lista de prioridades.


Existe uma diferença entre profissão e emprego. Você pode ter vários empregos, mas só a profissão te dá uma carreira. Na maioria das carreiras, chegar ao topo é equivalente a ser bem remunerado. Algumas carreiras remuneram pouco no começo, mas bem no topo, em outras, acontece o contrário, por isso é importante olhar para a tendência da carreira ao invés de apenas observar a facilidade de entrar no mercado. De qualquer forma, a remuneração só pode ser analisada junto com outros fatores, como bem estar, satisfação e realização pessoal, estilo de vida, exigências, etc. É o conjunto que precisa ser estudado e não só um ou outro aspecto isolado.


Então, como saber do que gostamos? Certamente você sabe o que gosta e também sabe o que não gosta. Mas também deve imaginar que tem um monte de coisas que você nunca experimentou ou conheceu e não sabe ainda se gosta ou não gosta. A melhor forma de descobrir isso é experimentando o máximo de coisas possíveis. Quanto mais diferentes, melhor. Isso significa tentar conhecer pessoas diferentes, ir a lugares diferentes, provar comidas diferentes, ler revistas diferentes, conhecer profissões diferentes. Este exercício ajuda a ampliar a visão do mundo e se contextualizar melhor para as coisas que de fato gostamos e o que não gostamos. Fazendo uma simples analogia, toda criança quer ser atriz, modelo, cantora ou astronauta, policial e jogador de futebol, não é? O adolescente tem uma visão de mundo maior que a criança e tem mais opções, mas ainda é limitado.


Outro ponto de discussão está relacionado com a aptidão. É natural buscarmos identificar em nossas aptidões alguns indicadores para possíveis carreiras. Algumas pessoas têm aptidão natural para música, outras, para manusear coisas pequenas (habilidades motoras finas), enquanto outras ainda, para relações pessoais. Você sabe quais são suas aptidões quando você experimenta fazer coisas diferentes: ajudar a mãe a organizar uma festa, fazer uma pesquisa na internet para um trabalho da escola, ajudar o pai a fazer os cálculos das finanças da casa, cuidar da irmã mais nova, dar conselhos para um amigo, entre outras coisas. Você vai descobrir que aptidão não é que você gosta, necessariamente, mas o que você faz bem, naturalmente.


Por fim, propósito. Muitas pessoas acreditam que desde que nascemos já estamos designados para um destino pré-estabelecido, ou seja, já estamos predestinados. As pessoas, assim, nascem com um propósito, uma missão, um desígnio. Os que acreditam nesta filosofia gostariam de ter nascido com alguma carta que dissesse já qual seria sua missão. Infelizmente isso não acontece e as pessoas precisam descobrir seu propósito. Algumas pessoas descobrem seu propósito na sua própria atividade profissional, o que é uma grande sorte ou excelente percepção interna. Não entenda aqui que propósito de vida sejam apenas causas sociais, em geral é, mas é muito mais do que isto. Já conheci professores que escrevem livros para democratizar o conhecimento, aventureiros que exploram os oceanos para desvendar mistérios para a humanidade, químicos que dedicam sua vida para descobrir curas, engenheiros que têm clara sua missão de construir pontes para ligar pessoas, e assim por diante.


Muitos passam sua vida inteira e morrem sem saber se cumpriram sua missão. Existe uma grande chance de você estar na idade de escolher a carreira sem saber qual é o seu propósito de vida. Em algum momento da sua vida, espero que você descubra o seu, mas acredito que esta descoberta não virá antes de escolher sua carreira. E qual é o problema de descobrir depois, não é?


Assim, minha filha, quero finalizar esta carta dizendo que não existe uma carreira perfeita, mas existe aquela que melhor se aproxima a este trinômio PROPÓSITO X APTIDÃO X SATISFAÇÃO, ou seja, algo que você gosta de fazer, faz bem e você está destinada a fazer. Esta é a fórmula da carreira de sucesso, na minha opinião, e a sua busca deve considerar todas as possibilidades que existem e não apenas aquelas que todo mundo busca ou recomenda. Tenha personalidade, tenha fé e seja feliz!