Minha
esposa está na fase final do seu doutorado em Psicologia da Educação na PUC São
Paulo. Na medida em que a data da defesa de sua tese se aproxima é natural
alguma apreensão e ansiedade. Não é de se admirar, afinal, a defesa pública de
uma tese é a etapa final de um período de 4 anos de estudos ininterruptos sobre
um determinado tema que resulta em uma contribuição científica para o meio acadêmico,
é um momento que coroa todo este esforço sob a anuência de uma banca examinadora
formada por acadêmicos experientes e reconhecidos neste mesmo campo de estudo.
Por fim, representa um rito de passagem de aceite de novos membros para a
comunidade científica, no qual o título de ‘Doutor’ confere um novo status na
carreira acadêmica do professor.
Os não iniciados
no meio acadêmico reagem de formas diversas aos relatos das agruras que minha
esposa vem passando (e que eu mesmo passei quando fiz meu doutorado). Embora
todos respeitem, admirem e torçam verdadeiramente pelo sucesso, muitos não
conseguem entender porque vale tanto a pena esta titulação diante das
perspectivas limitadas de remuneração da carreira acadêmica no Brasil e é para
estes que escrevo este texto, com o objetivo de mostrar um pouco deste universo.
A ciência,
ao contrário do que muitos imaginam, não está limitada ao campo da Biologia,
Química, Física ou Tecnologia. O conhecimento científico é um conhecimento
produzido por meio de métodos específicos e por isso mesmo seus resultados, uma
vez publicados em revistas reconhecidas no meio de estudo, são aceitos como
contribuições no desenvolvimento de determinadas áreas. Este processo acontece
em Psicologia, Administração, Medicina, Engenharia e vários outros campos do
conhecimento. Muito do que as empresas adotam como técnicas e ferramentas para
melhorar sua gestão vêm de estudos científicos. Novos tratamentos para doenças
ou técnicas de construção de edifícios também vêm de estudos científicos.
Todos os
professores estão no meio acadêmico, mas somente os titulados como mestres ou
doutores estão aptos a construir novos conhecimentos científicos. Embora o título
seja o caminho para ingressar neste reduzido e seleto grupo de cientistas, só é
de fato considerado pesquisador quem vai além da defesa de sua tese (doutorado)
ou dissertação (mestrado) e segue na condução de estudos científicos para
aprofundar a produção de conhecimento em seu campo de pesquisa. E aqui faço um
rápido esclarecimento sobre a diferença entre um mestrado e doutorado. O mestre
demonstra apenas que domina o método científico e sua dissertação deve
demonstrar este domínio enquanto o doutor deve efetivamente produzir um
conhecimento novo, inédito e relevante, usando estes métodos para contribuir
com a geração de conhecimento científico.
Por este
motivo, todos os professores estão engajados em projetos de pesquisa em suas
universidades, e os resultados de seus estudos são publicados em revistas científicas.
Para o não iniciado, é difícil ler e compreender os artigos publicados nestas
revistas (na área de administração, alguns bons exemplos são a Revista de
Administração de Empresas da FGV (RAE), Revista de Administração Contemporânea
(RAC), Revista de Administração da USP (RAUSP), etc). Isso acontece porque a
publicação de um texto científico deve seguir regras bem específicas, nas quais
o resultado do estudo só é validado se for demonstrado que foi muito bem
embasado em métodos apropriados e referências teóricas relevantes.
Isso
significa, na prática, que estas revistas são orientadas para outros
pesquisadores científicos e não para o público em geral. Um postulado
importante no meio científico é que a construção do conhecimento deve estar
apoiada em conhecimento já existente, ninguém cria conhecimento do nada, sempre
precisa se referenciar ao que outros pesquisadores já construíram. Este é o
motivo dos artigos acadêmicos sempre mencionarem artigos publicados de outros
pesquisadores. Costumo fazer a analogia entre o conhecimento científico e a
construção de um muro. Você não pode colocar um tijolo em qualquer lugar do
muro, apenas sobre um tijolo já existente. O muro pode ser forte ou fraco
dependendo do quão forte é o tijolo sobre o qual você colocou ou seu, ou seja,
suas referências. O cimento é a metodologia aplicada, é o que dá credibilidade
ao seu estudo.
Para o
pesquisador, tão importante quanto publicar sua pesquisa é ter seu artigo citado
por outros pesquisadores, pois isto significa que outros tijolos estão sendo
colocados sobre o seu e sua contribuição é de fato relevante e aceita na
comunidade. As revistas também tem este mesmo interesse e por isso são muito
criteriosas ao escolher um artigo para publicar. O corpo editorial de uma
revista é formado por pesquisadores renomados em seus campos de estudo. Para o
pesquisador, é mais importante publicar os resultados de suas pesquisas em uma
revista científica do que na forma de um livro, por exemplo. Embora o livro
tenha um acesso mais amplo do que um artigo, este público é muito genérico, não
despertando muito interesse do pesquisador além de massagear seu ego.
Como uma
pesquisa é baseada no trabalho de outros pesquisadores, o trabalho cooperativo é
muito comum no meio científico. Dificilmente encontramos artigos escritos por
apenas um pesquisador. Geralmente os trabalhos são publicados por equipes de
estudo. Um pesquisador pode estar liderando ou participando de vários projetos
de pesquisa. Um projeto de pesquisa pode durar alguns poucos meses ou até
vários anos, dependendo da profundidade da pesquisa. Esta profundidade é
caracterizada pelo tempo gasto na coleta de dados de campo.
Dados de
campo são observações que se faz no objeto da pesquisa para verificar fenômenos
e procurar comprovar suas hipóteses e teses. São feitos por meio de
questionários, entrevistas, observações, análise de documentos e até mesmo
viver por um tempo dentro do meio sendo estudado. Da mesma forma que um biólogo
observa o comportamento de macacos na Tasmânia, um psicólogo pode observar o
comportamento de crianças ou um administrador pode estudar o desempenho de uma
empresa.
E aqui vem
a diferença entre a teoria e a prática. Um administrador conhece a prática,
sabe o que dá certo e o que não dá certo na empresa, mas o que ele sabe muitas
vezes só serve para aquelas circunstâncias específicas e não podem ser
generalizadas para outras situações. Já um pesquisador científico em
administração procura gerar um conhecimento que possa ser aplicado por muitas
empresas, por isso ele estuda muitas empresas ou com profundidade uma ou poucas
empresas, toma como base estudos de outros pesquisadores e tira suas próprias
conclusões, concebendo, muitas vezes, uma teoria nova. Quando se fala que, na prática,
a teoria é outra, está-se afirmando que nem toda teoria pode ser generalizada
para todas as empresas.
Este poder
de gerar este tipo de conhecimento, relevante e aplicado, ajudando a
compreender o mundo à nossa volta e trazendo soluções que ajudem a lidar com
esta crescente complexidade é que constitui a verdadeira motivação do
pesquisador científico, seu senso de propósito e sua satisfação pessoal. É para
este mundo que minha esposa está se preparando para entrar dentro de alguns
meses e é para ela que dedico este texto, juntamente com meus votos de boa
sorte e sucesso!